Saturday, May 07, 2005

SAPSE:

1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Assistência Social é encontrada em todas as civilizações desde a mais remota antigüidade. Para melhor compreensão, situaremos alguns marcos históricos, objetivando sentir sua evolução:

1.1 - Assistência Social, através dos tempos

1.1.1 - Assistência Social antes do Cristo

• Egípcios – 5000 anos a.C. – respeitavam o próximo e reverenciavam os mortos.
• Babilônios – 3000 anos a.C. – dispensavam consolo aos aflitos e não separavam os casais de escravos. Acreditavam em um deus superior, embora adorassem as forças da natureza. Hamurabi (1730 anos a.C.) foi rei babilônico e deu a seu povo um código de leis com a finalidade de implantar justiça na Terra, destruir os maus e o mal, prevenir a opressão do fraco pelo forte, iluminar o mundo e propiciar o bem-estar do povo.
• Hindus – 600 anos a.C. – apareceu Buda, o fundador do Budismo, que ensinava por parábolas a tolerância, a igualdade e a bondade. O sistema de moral resumia-se na ciência, energia, pureza, paciência, caridade e esmola. Trezentos anos antes de Cristo é criado, na Índia, o primeiro hospital da história, onde eram atendidos pessoas e animais. Os hindus acreditavam na transmigração da alma dos homens para os animais (metempsicose).
• Chineses – Confúcio – 600 anos a.C. – ensinava a bondade e a lealdade, a fim de se alcançar um ideal superior. Os chineses condenavam a guerra.
• Gregos – eram muito intelectuais, cultivavam as artes dando-lhes caráter religioso; respeitavam o trabalho e valorizavam a hospitalidade. A Grécia foi berço de cultura filosófica, onde viveram Sócrates, Platão e Aristóteles (455-322 a.C.). As idéias de fraternidade e assistência eram superficiais e obedeciam a interesses pessoais e políticos.
• Romanos – davam aos pais poder absoluto sobre os filhos; tratavam os escravos com rudeza. Quando havia problemas sociais, ameaçando a segurança do trono, era hábito servir ao povo banquetes seguidos de distribuição de mantimentos e dinheiro, a fim de aplacar a ira do povo, sufocando possíveis revoltas. Era uma medida meramente paliativa.
• Judeus – entre os povos antigos foram os primeiros a manifestar noções ainda confusas de generosidade. Eram mais bem instruídos sobre Deus e os homens; demonstravam preceitos sociais mais aperfeiçoados; tinham mais consideração pela mulher e a idéia de fraternidade era mais desenvolvida; cuidavam dos mais fracos, do pobre, das crianças e dos estrangeiros; pagavam o dízimo em favor do pobre; castigavam os que exploravam o semelhante, cobrando juros excessivos; recomendavam o amor ao próximo, mas não ao inimigo.


1.1.2 - Assistência Social com o Cristo e depois d’Ele

Com Jesus Cristo a assistência resplandece em cada ato, como está gravado nas páginas do Evangelho, abrangendo o tríplice sentido de universalidade: 1) alcança a todos os homens: escravos, inimigos e perseguidos; 2) estende-se além do campo material, atendendo também às necessidades morais e espirituais, visando ao mesmo tempo o corpo e a alma; 3) penetra todas as instituições, dilatando o conceito de justiça e de fraternidade.
O Evangelho de Jesus dá a base para a verdadeira caridade e amplia o conceito de amor ao próximo, conforme se depreende dos ensinos abaixo: (2)
• O Bom Samaritano (Lucas X: 25-37).
• “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei também a eles...” (Mateus VII:12).
• “Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem.” (Lucas VI:31).
• O que é necessário para salvar-se (Mateus XXV:31-46).
• O amor aos inimigos (Mateus V:43-47; Lucas VI:32-36).
A Igreja do Caminho, casa dos apóstolos, em Jerusalém, atendendo aos preceitos de Jesus, prestava socorro aos necessitados, com carinho e dedicação. Atendia a loucos, anciãos abandonados, crianças esquálidas e famintas; serviam sopa aos mendigos. A palavra evangélica era difundida com entusiasmo e amor.
Mais tarde, com a expansão do Cristianismo, foram fundadas as Diaconias, com o fim de atender ao pobre e organizar a assistência corporal e espiritual. A mulher (diaconisa) era encarregada de amparar os órfãos, viúvas e doentes.
Com a peste em Cartago e o tifo em Alexandria, os cristãos se dedicavam dia e noite ao atendimento aos doentes e ao sepultamento dos mortos: todos eram considerados irmãos, e os escravos tratados como homens; a assistência se estendia aos moribundos e aos encarcerados.
Trajano, imperador romano (ano 98), estabelece, em Roma, a assistência pública, em caráter ainda político: sustentava 300 crianças para se tornarem futuros soldados.
Em Constantinopla (ano 312), é criado por Santa Helena -- mãe de Constantino, convertido ao Cristianismo -- o primeiro hospital cristão.
Daí por diante, foram surgindo hospedarias, para viajantes e peregrinos; abrigos, para velhos, doentes e indigentes; creches e ambulatórios. Ao redor das igrejas, desenvolviam-se escolas, hospedarias e hospitais conhecidos pelo nome de “Casas de Deus” ou “Santas Casas”. Os monges desenvolviam a agricultura, protegiam e auxiliavam as populações agrupadas em torno de seus mosteiros.
No Século XII, apareceram várias congregações beneficentes; na França, havia 2000 hospitais e 200 leprosários cristãos. São Luís, rei da França, alimentava os pobres e fundou um retiro para cegos. Na Hungria, Santa Isabel consagrou sua vida aos pobres; São Francisco de Assis (Itália), Santa Isabel, de Portugal, Santa Catarina, Papa Leão IX e outros foram heróis da caridade nessa época.
A reforma religiosa (Século XVI), provocada em parte pelo abuso do clero, dá origem ao Protestantismo. Era uma época de pobreza devido às guerras. As obras assistenciais são absorvidas pelo governo com resultados negativos. É fundado o “Exército da Salvação” com a finalidade de acabar com a pobreza e desenvolver uma ação moral e religiosa.
No Século XVIII, São Vicente de Paulo deu novos rumos à assistência, desenvolvendo a visita à casa dos pobres a fim de melhor conhecê-los nas suas necessidades e problemas; juntamente com Luiza de Marilac, funda a “Associação das Damas de Caridade”, estendendo seu programa assistencial.
Em 1833, aparece Frederico Ozanam, estudante de Medicina, que organiza a “Conferência Vicentina”, cuja finalidade era visitar o pobre a domicílio, segundo São Vicente de Paulo, hábito que se espalhou por todo o mundo.
Por iniciativa, trabalho e apelo do suíço Henri Dunant, em 1864, é organizada a “Cruz Vermelha”, destinada a socorrer os feridos de guerra.
No Brasil, em 1530, Nóbrega e Anchieta, vindos de Portugal, se dedicam ao trabalho de catequese do índio e à assistência em geral.
Brás Cubas, em 1543, cria a primeira Santa Casa, em Santos, que se multiplica por todo o Brasil.
Fabiano de Cristo, português, por volta de 1700, veio para o Brasil, ingressando mais tarde na ordem dos franciscanos. Dedicou sua vida à prática da assistência aos doentes e necessitados.
1.1.3 - Assistência Social com o Espiritismo

O Espiritismo, com Allan Kardec, traz nova luz à tarefa assistencial, realçando a responsabilidade de seus seguidores pelo preceito “Fora da Caridade não há Salvação”; fundamenta a prática da fraternidade no Evangelho do Cristo. Destacam-se os capítulos X, XI, XII, XIII e XV de O Evangelho segundo o Espiritismo sobre o assunto.
A primeira campanha promovida por entidade espírita de que se tem notícia foi realizada por Kardec através da Revista Espírita (janeiro de 1863) com o objetivo de arrecadar recursos para socorrer os operários de Rouen, França, vitimados por rigoroso inverno. Graças às doações recebidas foi possível levar alguma tranqüilidade a inúmeras famílias em provação.
No Brasil, muitos foram os espíritas cuja dedicação e amor, no campo assistencial, se transformaram em exemplo. Entre eles, destacam-se Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco e Batuíra.
Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900) – apóstolo do Espiritismo. Como médico, dedicou-se, com grande desapego e amor, à assistência aos doentes e a todos que o procuravam necessitados de auxílio.
Eurípedes de Barsanulfo (1880-1918), natural de Sacramento-MG, educador, espírita, dotado de diversas faculdades mediúnicas, dedicou sua vida à educação do jovem, aos aflitos e abandonados pela sorte. Atendia a todos que o procuravam e ainda, em momentos de folga, saía pelos arrabaldes da cidade a socorrer doentes, assistindo os necessitados de toda ordem e pregando a doutrina do amor ao próximo. (7)
Anália Franco (1856-1919), emérita educadora, se entregava, de corpo e alma, à prática do bem. Fundou e supervisionou mais de 70 asilos, creches e escolas espalhadas por vários Estados brasileiros. A síntese do seu pensamento era: “O nosso fim é procurar diminuir cada vez mais em nosso meio a necessidade da esmola pelo desenvolvimento da educação e do trabalho, de que provém o bem-estar e a moralidade das classes pobres. Eduquemos e amparemos as pobres crianças que necessitam de nosso auxílio, arrancando-as das trilhas dos vícios, tornando-as cidadãos úteis e dignos para o engrandecimento de nossa pátria.” (6)
Antonio Gonçalves da Silva – “Batuíra” (...- 1909), português, veio para o Brasil ainda criança e, como imigrante, aqui cresceu e desenvolveu sua obra de dedicação ao próximo. Em 1873, por ocasião da epidemia de varíola, assistiu os doentes e flagelados com verdadeiro espírito de renúncia, dando não apenas o remédio, mas também o pão, o teto e o agasalho. Começou como jornaleiro e terminou seus dias como jornalista espírita. Foi o fundador e impressor do jornal “Verdade e Luz”.
Em 20 de abril de 1890 é criada na Federação Espírita Brasileira, então sob a presidência do médico homeopata Dr. Francisco Dias da Cruz, a “Assistência aos Necessitados”, com o objetivo de assistir, em suas necessidades materiais e espirituais, os que viviam em penúria física ou moral. Dada a sua importância, a “Assistência aos Necessitados” se tornou o centro das ações promovidas pela FEB na sua tarefa de divulgação do Espiritismo.

• • •

1.2 - Assistência Social - Da Esmola à Promoção Integral do Homem

A Assistência Social na antigüidade e até o Século XVIII e início do Século XIX tinha o aspecto de doação apenas. É com São Vicente de Paulo, e depois com Frederico Ozanam, que começa a ser direcionada às necessidades reais do indivíduo.
Hoje em dia, o enfoque é o da promoção do homem integral (corpo e espírito), elevando-se o ser humano pelo trabalho, a fim de auxiliá-lo na sua escalada evolutiva, sob as bênçãos da reencarnação.


1.2.1 - Instituições Filantrópicas - Prestadoras de Assistência Social

No cenário dos dias de Allan Kardec havia surgido um novo ator social construtivo nas relações sociais; o operário das fábricas, que não conseguia, com o salário obtido através do trabalho, atender às suas necessidades. Era o pobre do século XIX, diferente daquele do período medieval: um vadio que andava de cidade em cidade, pedindo esmola em situação de degradação moral.
Do século passado aos dias de hoje, o processo das relações sociais construiu uma organização social que apresenta uma contradição. De um lado, o aumento, em países como o Brasil, dos segmentos dos que trabalham mas que são pobres, isto é, não conseguem, com o que ganham, atender às suas necessidades básicas; de outro lado, a elaboração do conceito de cidadania, que significa ter direitos e deveres.
Da Idade Média ao período atual, o homem – Espírito que reencarna - vem construindo através das relações sociais, que engendra, em torno de sua ação no mundo, a sociedade desenhada por Vicente de Paulo. Da pobreza, como fenômeno natural e individual que se resolve com a esmola, para o entendimento da modernidade, que a coloca como exclusão social, que se supera com o resgate da cidadania, isto querendo dizer, garantia dos direitos sociais.
Os 31.779.095 brasileiros ou 9,2 milhões de famílias – reconhecidos pelo IPEA (Instituto De Pesquisa Econômico e Social Aplicada) no mapa da fome – são excluídos sociais, que não têm garantido seus direitos de acesso aos bens, serviços e benefícios da sociedade. Estes 32 milhões de miseráveis, em sua condição de cidadãos em situação temporária ou permanente de incapacidade social, estão entre os fracos – categoria expressa por Vicente de Paulo. Em conseqüência, a sociedade deve estar de tal maneira organizada que lhes possa garantir o atendimento das necessidades básicas.
No Brasil, foi necessário um longo processo de construção social para que a assistência social pudesse, hoje, ser considerada dever do estado e direito do cidadão, conforme estabelece o artigo 203 da Constituição Federal.
Este artigo está regulamentado pela Lei 8.742, que é exatamente a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS - a qual define a assistência social como “Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.
É uma nova concepção da assistência social, superando a tradicional filantropia, que atravessou os séculos, no Brasil, em sua prática assistencialista, considerada por muitos como paternalista e ingênua.
É importante registrar que as leis, a exemplo da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – estão de acordo com O Livro dos Espíritos (pergunta 797): são fruto das forças das coisas e influência das pessoas do bem.
A LOAS estabelece que os direitos sejam garantidos através de serviços, programas e projetos implementados nos municípios, propondo, para tanto, a criação de Conselhos Municipais de Assistência Social - CMAS. Os CMAS têm poderes deliberativos sobre a Política Municipal de Assistência Social em nome das organizações governamentais e não governamentais.
Isto significa que as instituições filantrópicas, historicamente comprometidas com o enfrentamento da pobreza na qualidade de prestadoras de assistência social, a partir da LOAS, passam, também, a participar do estabelecimento das políticas, na definição das prioridades e no controle das verbas.
Retornando a Vicente de Paulo, na questão 888-a de O Livro dos Espíritos, registramos: “Sede, portanto, caridosos, não somente dessa caridade que vos leva a tirar do bolso o óbolo que friamente atirais aos que ousam pedir-vos, mas ide ao encontro das misérias ocultas.”

O Espiritismo afirma a concepção de cidadania como está colocada, hoje, na sociedade ocidental, mas a amplia, conforme expressa a pergunta 880 de O Livro dos Espíritos (O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o de viver), porque o homem é um Espírito que reencarna – e reencarna para progredir. Portanto, tudo o que lhe seja necessário para assegurar a existência corpórea é direito natural. Ainda que seja direito de usufruto, não de propriedade, no sentido restrito do termo.
Em conseqüência, a caridade supera a concepção reducionista e tradicional de esmola (ajuda material) para se definir como “ir ao encontro do próximo”. A caridade não está no que se dá, mas na relação que se estabelece com o outro. Relação que seja um processo amoroso de envolvimento e desvelamento do Ser com outro Ser.
O Centro Espírita, portanto, deve ser um espaço de convivência, em que a fraternidade não é apenas um ideal, mas um exercício de construção de relações. Mais do que uma casa prestadora de serviços (de alimentos, de roupas etc), um espaço de convivência, onde "o assistido", em sua condição de cidadão – sujeito de direitos – gosta de estar, sente-se bem de estar; onde seja recebido como é, com o seu jeito, com as suas características, com a sua forma de falar, e onde possa encontrar quem se disponha a conversar com ele de forma natural, de irmão para irmão, dando-lhe tempo para que caminhe do ponto em que se encontra, e, em se desvelando, vá permitindo acesso ao seu coração e acabe abrindo-se, também, para o coração do outro, à semelhança do Bom Samaritano da história evangélica.

Voltar para Aulas

0 Comments:

Post a Comment

<< Home