Saturday, May 07, 2005

O Espiritismo em seu tríplice aspecto:

Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp
O Espiritismo em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso
Colaboração Silvio Seno Chibeni
Texto elaborado para o XII Congresso Estadual de Espiritismo (USE) – Tema 4.10. Campinas, 17 a 20/4/2003.
Resumo:
Tornou-se comum no meio espírita afirmar-se que o Espiritismo é ciência, filosofia e religião, ou tem um “tríplice aspecto”, englobando as três áreas. Essa caracterização não pode ser encontrada exatamente nesses termos na obra de Kardec. É, porém, correta e, em sua essência, está presente no pensamento do criador do Espiritismo e de seus mais lúcidos continuadores. No entanto, a questão tem dado lugar a mal entendidos, por causa da compreensão incorreta ou imprecisa dos conceitos de ciência, filosofia e religião, bem como da verdadeira natureza do Espiritismo. Este trabalho procura contribuir para esclarecer o assunto, com o apoio da filosofia e dos próprios textos de Kardec.
1. Introdução
Ao refundir o material da primeira edição de O Livro dos Espíritos (1857), preparando a segunda edição (1860), Kardec achou por bem inserir, já na primeira linha do livro, na folha de rosto, a seguinte frase: “Filosofia Espiritualista”. Kardec quis, com ela, fornecer ao leitor uma caracterização sucinta do caráter do Espiritismo, cujas bases a obra assentava. Essa caracterização é depois detalhada de modo implícito ou explícito no resto do livro e no restante de sua produção espírita. Uma das primeiras especializações do conceito expresso na frase é introduzida já na Introdução do mesmo livro, item I, no qual Kardec traça a distinção entre espiritualismo e Espiritismo. A partir desse ponto, tratará sempre (salvo para efeito de comparação) do conceito mais específico de filosofia espírita.

O destaque dado por Kardec a esse conceito indica que é por ele que devemos começar a análise do chamado “tríplice aspecto” do Espiritismo. Essa caracterização não pode ser encontrada exatamente nesses termos na obra de Kardec. Não nos ocuparemos aqui da questão histórica da origem dessa maneira tão disseminada de compreender o Espiritismo.
2. O que é filosofia?

Antes de tentarmos entender o que Kardec entendia por ‘filosofia espírita’, e por que ele priorizou essa noção ao dar uma fórmula sucinta do Espiritismo, é importante compreendermos a noção geral de filosofia. É claro que se trata de um assunto complexo, que requereria estudos especializados para ser abordado de forma satisfatória. O que exporemos aqui é apenas um esboço, mas que, tanto quanto julgamos, é correto e útil para investigações ulteriores.
Como quase todas as palavras, filosofia possui diversos significados. Popularmente, o termo tem hoje três acepções principais: 1) certos valores ou princípios de vida, muito gerais e variáveis segundo os indivíduos ou grupos sociais; 2) certos métodos, regras e propósitos de um empreendimento qualquer; e 3) certas doutrinas esotéricas ou místicas. Nenhum desses três significados corresponde à noção original, acadêmica, de filosofia, e que foi usada por Kardec em quase todas as ocasiões em que falou no aspecto filosófico do Espiritismo.

Não obstante aparentemente simples, as questões do que é e para que serve a filosofia – no sentido acadêmico do termo – estão entre as que mais dificuldades e divergências causam entre os próprios filósofos profissionais. Esse mero fato, porém, já indica algo importante sobre a natureza da filosofia: o questionamento sistemático, incessante e profundo de tudo o que se afirma.
As origens da filosofia remontam à Grécia Antiga. Pela própria etimologia do termo, notamos que a filosofia era entendida como o amor do saber, ou a busca da verdade. Naquela época e, em certa medida, por muitos séculos da era cristã, a filosofia englobava todos os ramos do conhecimento puro (em contraste com as artes e ofícios, o conhecimento “aplicado”). Gradualmente, alguns desses ramos foram se tornando autônomos, como a matemática, a astronomia, a história, a biologia, a física. Mais ou menos a partir do século XVII, alguns deles começam a ser agrupados sob outra denominação: a de ciência.

Hoje em dia costuma-se considerar pertencentes ao tronco principal da filosofia as disciplinas da estética, lógica, ética, epistemologia e metafísica. De forma muito simplificada, pode-se dizer que a estética examina abstratamente a beleza e a feiúra; a lógica investiga o encadeamento formal das proposições; a ética estuda questões relativas ao bem e ao mal, aos direitos e deveres; a epistemologia ocupa-se do conhecimento, suas origens, fundamentos e limites, enquanto que a metafísica procura especular sobre a natureza última das coisas. Fora esses ramos fundamentais, há ainda diversos outros que resultam de suas interconexões e especializações, como a teologia, a filosofia política, a filosofia da linguagem, a filosofia da ciência.
Uma das principais correntes filosóficas contemporâneas propõe que a filosofia não deve ser entendida como a formulação ou defesa de teses ou conjuntos de teses sobre o que quer que seja, mas simplesmente como o desenvolvimento de métodos de análise crítica e sistemática, a serem aplicados especialmente ao chamado conhecimento científico. Nessa perspectiva, o filósofo seria alguém que tenta explicitar os conceitos, os pressupostos, a estrutura lógica e as implicações das teorias científicas, políticas, religiosas, etc. Semelhante atitude crítica – que não se confunde com uma crítica leviana, estouvada ou interesseira – seria a essência da filosofia, o elemento comum que permearia a grande variedade de linhas filosóficas existentes.

Embora quando se olhe para as abstrações e sutilezas tipicamente discutidas pelos filósofos se possa concluir que a filosofia para nada serve, a referida proposta talvez permita encontrar, num plano afastado do das necessidades materiais cotidianas, uma finalidade útil para a filosofia: a elucidação das bases, métodos e implicações das ciências e de outras disciplinas intelectuais, contribuindo assim para a identificação de fundamentos falsos ou inseguros, de falácias argumentativas, de dogmas encobertos.

Ensinando, ou pelo menos convidando, o homem a refletir criticamente sobre tudo o que se afirma ou faz em todos os setores, a filosofia de alguma forma auxilia o aprimoramento de seu intelecto e, talvez, de seus sentimentos, que o diferenciam de um mero ser que come, bebe, dorme e se reproduz.
3. A filosofia espírita
Passando agora à noção de filosofia espírita, uma observação preliminar importante é que no tempo de Kardec o sentido original, amplo, da palavra ‘filosofia’ ainda prevalecia, em boa medida. Assim, ao dizer que o Espiritismo era uma filosofia, Kardec não estava excluindo seu caráter científico, muito pelo contrário. Além disso, como a ética ou moral é uma das áreas da filosofia – e isso até hoje –, aquela designação também não excluía o aspecto moral do Espiritismo, que é a essência da chamada religião espírita. Detalharemos esses pontos nas seções seguintes deste trabalho.

Há referências à filosofia, ou à filosofia espírita, em todas as obras de Kardec. O significado preciso das expressões varia, é claro, segundo o contexto. De um modo geral, podemos identificar duas acepções principais da expressão, uma ampla e outra restrita.

Na acepção ampla, Kardec entende pela expressão alguma teoria, conjunto de teses, ou atividade intelectual que se caracterizam pela racionalidade, e se inserem portanto na tradição da filosofia acadêmica de cultivo do saber pelo saber. Nesse sentido a filosofia engloba a própria ciência e a moral, como já apontamos. Há dezenas de passagens nas obras de Kardec em que a expressão é usada nessa acepção. A primeira é, naturalmente, a já mencionada frase da folha de rosto. Vejamos algumas outras, restringindo-nos, por falta de espaço, ao Livro dos Espíritos (os itálicos do termo ‘filosofia’ são nossos).[1]
LE, Prolegômenos: “Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema.”
LE, Prefácio da 2a edição (que não é mais reproduzido nas edições atuais): “O ensino relativo às manifestações dos Espíritos, propriamente ditas, bem como aos médiuns, forma uma parte distinta da filosofia espírita, podendo constituir objeto de um estudo especial” [a ser desenvolvido no Livro dos Médiuns].
LE, Conclusão, item V: “Três períodos distintos apresenta o desenvolvimento dessas idéias: primeiro, o da curiosidade, que a singularidade dos fenômenos produzidos desperta; segundo, o do raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das conseqüências. O período da curiosidade passou; a curiosidade dura pouco. Uma vez satisfeita, muda de objeto. O mesmo não acontece com aquilo que se dirige à razão e evoca reflexões sérias. Começou o segundo período, o terceiro virá inevitavelmente.”
LE, Conclusão, item VII: “O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: [...]” [2]
Na acepção restrita da expressão ‘filosofia espírita’, Kardec refere-se a tópicos clássicos tratados pelos filósofos, como a existência e atributos de Deus, a distinção alma-corpo, as idéias inatas, o livre-arbítrio, a objetividade dos critérios morais, etc. Na maior parte das vezes em que ele usa o termo ‘filosofia’ nesse sentido mais específico, quer ressaltar um ponto de central importância: a capacidade que o Espiritismo tem de tratar com segurança, clareza e plausibilidade alguns dos mais espinhosos e desafiadores problemas filosóficos. Em alguns casos o ponto é mencionado genericamente; em outros ele considera explicitamente esses problemas. Vejamos alguns exemplos, começando com alguns trechos do primeiro tipo (destacamos o termo ‘filosofia’).

LE, Conclusão, item 1: “Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao mundo material, que dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu toda uma ciência, assim como a solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda resolver.”
LE, Conclusão, item 6: “Mesmo quem não testemunhou nenhum fenômeno material relativo às manifestações dos Espíritos diz para si próprio: à parte esses fenômenos, há a filosofia, que me explica o que nenhuma outra havia explicado. Nela encontro, por meio unicamente do raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais alto grau interessam ao meu futuro. Ela me dá calma, segurança, confiança; livra-me do tormento da incerteza.”
QE, Preâmbulo: No terceiro capítulo, publicamos um resumo de O Livro dos Espíritos, com a solução, pela doutrina espírita, de certo número de problemas do mais alto interesse, de ordem psicológica, moral e filosófica, que diariamente são propostos, e aos quais nenhuma filosofia deu ainda resposta satisfatória. [...] Procurem resolvê-los por qualquer outra teoria, sem a chave que nos fornece o Espiritismo; comparem suas respostas com as dadas por este, e digam quais são as mais lógicas, quais as que melhor satisfazem à razão.”

Vejamos agora algumas passagens com referências a problemas filosóficos tradicionais, que têm solução adequada pelo Espiritismo. Indicamos sumariamente entre colchetes o problema em questão.

LE, Introdução, item 17 [a continuidade evolutiva na criação]: “A razão nos diz que entre o homem e Deus outros elos necessariamente haverá, como disse aos astrônomos que, entre os mundos conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia já preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra preenchida pelos seres de todas as ordens do mundo invisível e estes seres não são mais do que os Espíritos dos homens, nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se liga, tudo se encadeia, desde o alfa até o ômega.”
LE, item 222 [a desigualdade das aptidões face à justiça divina]: “Qual a filosofia ou a teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade de aptidões?”
LM, par. 35, n. 2 [o futuro do homem]: “O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas conseqüências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo.”
ESE, cap. 5, item 6 [a dor face à justiça divina]: “Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, se se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra.”

CI, parte 1, cap. 1, item 13 [a questão do materialismo e do panteísmo]: Apresente-se-lhe, porém, um futuro condicionalmente lógico, digno em tudo da grandeza, da justiça e da infinita bondade de Deus, e ele repudiará o materialismo e o panteísmo, cujo vácuo sente em seu foro intimo, e que aceitará à falta de melhor crença. O Espiritismo dá coisa melhor; eis por que é acolhido pressurosamente por todos os atormentados da dúvida, os que não encontram nem nas crenças nem nas filosofias vulgares o que procuram. O Espiritismo tem por si a lógica do raciocínio e a sanção dos fatos, e é por isso que inutilmente o têm combatido.”
G, cap. 4, item 11 [a origem das faculdades espirituais do homem]: “Mas a história do homem, considerado como ser espiritual, se prende a uma ordem especial de idéias, que não são do domínio da Ciência propriamente dita e das quais, por este motivo, não tem ela feito objeto de suas investigações. A Filosofia, a cujas atribuições pertence, de modo mais particular, esse gênero de estudos, apenas há formulado, sobre o ponto em questão, sistemas contraditórios, que vão desde a mais pura espiritualidade, até a negação do principio espiritual e mesmo de Deus, sem outras bases, afora as idéias pessoais de seus autores. Tem, pois, deixado sem decisão o assunto, por falta de verificação suficiente.”
G, cap. 4, item 12 [origem e destino do homem]: “Esta questão, no entanto, é a mais importante para o homem, por isso que envolve o problema do seu passado e do seu futuro. A do mundo material apenas indiretamente o afeta. O que lhe importa saber, antes de tudo, é donde ele veio e para onde vai, se já viveu e se ainda viverá, qual a sorte que lhe está reservada. Sobre todos esses pontos, a Ciência se conserva muda. A Filosofiaapenas emite opiniões que concluem em sentido diametralmente oposto, mas que, pelo menos, permitem se discuta, o que faz com que muitas pessoas se lhe coloquem do lado, de preferência a seguirem a religião, que não discute.
OP, pp. 86-7 [o problema mente-corpo]: Onde acaba o poder da alma sobre os corpos? Qual a parte dessa força inteligente nos fenômenos do Magnetismo? Qual a do organismo? Aí estão questões de muito interesse, questões graves para a Filosofia, como para a Medicina. [...] Tínhamos, como se vê, grandes motivos para avançar que o estudo dos fenômenos magnéticos guarda fortes relações com a filosofia e a psicologia.
QE, pp. 169-70, 189 [a imortalidade da alma] As manifestações não são, pois, destinadas a servir aos interesses materiais; sua utilidade está nas conseqüências morais que delas dimanam; não tivessem, elas, porém, como resultado senão fazer conhecer uma nova lei da Natureza, demonstrar materialmente a existência da alma e sua imortalidade, e já isso seria muito, porque era largo caminho novo aberto à Filosofia. [...] Nas lições de filosofia clássica, os professores ensinam a existência da alma e seus atributos, segundo as diversas escolas, mas sem apresentar provas materiais. [...] Quando um cientista emite uma hipótese, sobre um ponto de ciência, procura com empenho e colhe com alegria tudo o que possa demonstrar a veracidade dessa hipótese; como, pois, um professor de filosofia, cujo dever é provar a seus discípulos que eles têm uma alma, despreza os meios de lhes fornecer uma patente demonstração?
Esses trechos ilustram bem a afirmação de Kardec em O que é o Espiritismo (diálogo com o cético, p. 65) de que “O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia [...]”. E note-se que tal afirmação é confirmada não só por passagens como as citadas, em que o termo ‘filosofia’ aparece explicitamente (e há ainda muitas outras em que isso ocorre), mas também pelos estudos efetivamente desenvolvidos por Kardec acerca de numerosos outros tópicos filosóficos.
4. O que é ciência? [3]
Como já ressaltamos, aquilo que hoje chamamos ciência derivou da filosofia, tal qual entendida nos primeiros tempos de nossa cultura ocidental. É importante, pois, identificar os traços que servem para distinguir o conhecimento científico de outros tipos de conhecimento. Essa é uma das questões de que se ocupa um dos ramos especiais da filosofia mencionados anteriormente, a filosofia da ciência.
Notadamente na segunda metade do século XX, progressos significativos foram realizados nessa área. Reconhece-se hoje entre os especialistas que uma certa concepção de ciência cujas origens remontam à época do nascimento da ciência moderna, no século XVII, e que é comum até hoje entre o público leigo, padece de sérias inadequações. Ela não resiste nem a variados argumentos filosóficos levantados mais recentemente, nem ao confronto com a descrição da gênese, evolução e estrutura das disciplinas científicas maduras, ou seja, da física, da química e da biologia. A versão mais bem articulada dessa concepção é a doutrina filosófica conhecida como positivismo lógico, que teve seu apogeu nas décadas de 1920 e 1930.
Grosso modo, essa visão comum de ciência pressupõe que uma ciência inicia seu desenvolvimento com um período longo de coleta de dados experimentais (dados empíricos, na linguagem filosófica); nessa etapa não compareceriam hipóteses teóricas de nenhuma espécie. Uma vez de posse de um conjunto suficientemente grande e variado de dados, os cientistas aplicariam então certos métodos supostamente seguros e neutros para obter as teorias científicas, que seriam descrições objetivas da realidade investigada.
O exame cuidadoso da história da ciência e os argumentos filosóficos desenvolvidos pelos filósofos da ciência contemporâneos mostraram que essa caracterização da ciência não somente não corresponde ao que de fato ocorreu e continua ocorrendo com as ciências bem estabelecidas, como também pressupõe procedimentos impossíveis de serem levados a cabo. Observação e teoria, experimento e hipótese nascem e se desenvolvem juntos, num complexo processo simbiótico de suporte recíproco. A acumulação prévia de dados neutros, ainda que fosse possível, seria inútil. Nenhum conjunto de dados leva de modo lógico a leis científicas; a imaginação criadora do homem desempenha papel essencial na gênese das teorias científicas.
A imagem de ciência a que os filósofos da ciência chegaram a partir das pesquisas recentes indica que uma ciência autêntica consiste, de modo simplificado, de um núcleo teórico principal, formado por leis fundamentais, introduzidas a título de hipóteses. Esse núcleo é circundado por hipóteses auxiliares, que o complementam e efetuam sua conexão com os dados empíricos. Essa estrutura teórica mais ou menos hierarquizada faz-se acompanhar de determinadas regras, nem sempre explícitas, que norteiam o seu desenvolvimento. De um lado, há a regra “negativa”, que estipula que nesse desenvolvimento os princípios do núcleo teórico devem, o quanto possível, ser mantidos inalterados. Eventuais discrepâncias entre as previsões da teoria e as observações experimentais devem ser resolvidas por ajustes nas partes menos centrais da malha teórica, constituídas pelas hipóteses auxiliares. Regras “positivas” sugerem ao cientista como, quando e onde essas correções e complementações devem ser efetuadas. Essa é uma descrição sucinta e simplificada daquilo que o filósofo da ciência contemporâneo Imre Lakatos chamou de programa científico de pesquisa. [4]
A exigência fundamental de um programa científico de pesquisa é que a estrutura teórica como um todo forneça previsões empíricas corretas, ou seja dê conta dos fatos. Outras características importantes de qualquer boa teoria científica são: a consistência: a teoria não pode envolver contradições; a coerência: os princípios da teoria devem apoiar-se mutuamente; a abrangência: a teoria deve explicar, ao menos em linhas gerais, todos os principais fenômenos de seu domínio; deve ainda exibir unidade e simplicidade, ou seja, a explicação que fornecem dos diversos fenômenos deve decorrer de maneira natural e simples de um corpo de leis teóricas integrado e tão reduzido quanto possível. Há, por fim, o vínculo externo de não conflitar com as demais teorias científicas bem confirmadas que tratem de domínios de fenômenos complementares.Tendo fornecido essa noção geral, bastante simplificada e incompleta, da concepção contemporânea de ciência, passemos à questão da ciência espírita.
5. A ciência espírita

A inspeção meticulosa e isenta das origens, estrutura e desenvolvimento do Espiritismo revela que ele possui todos requisitos de uma ciência genuína, segundo as caracterizações da filosofia da ciência contemporânea, como a esboçada na seção precedente. Em artigo anterior, “A excelência metodológica do Espiritismo”, procuramos mostrar, além disso, que Allan Kardec antecipou-se às conquistas recentes da filosofia da ciência, e compreendeu muito bem a questão. Sua visão de ciência, exposta explícita e implicitamente em seus escritos, corresponde efetivamente à visão que os filósofos da ciência têm hoje. Isso teve a conseqüência feliz de que, ao travar contato com uma nova ordem de fenômenos, Kardec empregou em sua investigação métodos e critérios corretos, o que lhe possibilitou a implantação de uma verdadeira ciência do espírito.

O corpo teórico fundamental do Espiritismo encontra-se delineado em O Livro dos Espíritos. O exame dessa obra revela a adequação da teoria com os fatos, sua consistência e seu alto grau de coesão e simplicidade, bem como a amplitude de seu escopo. Ademais, ali estão implicitamente presentes as diretrizes que nortearam os desenvolvimentos ulteriores das investigações espíritas. Muitos desses desenvolvimentos foram, como se sabe, implementados pelo próprio Kardec, e se acham expostos nas demais obras que escreveu. Consoante com a natureza de uma verdadeira ciência, o progresso experimental e teórico do Espiritismo prossegue até hoje, pelos esforços de pesquisadores encarnados e desencarnados.

Em contraste com os fundamentos científicos sólidos lançados por Kardec no estudo do elemento espiritual do homem, as linhas de pesquisa que surgiram mais tarde, com a pretensão competir com o Espiritismo nessa área, não alcançaram o mesmo sucesso. Deve-se notar, a tal respeito, que elas tiveram início justamente na época em que o positivismo lógico fornecia os parâmetros segundo os quais uma atividade genuinamente científica se desenvolveria. Ora, tais parâmetros sendo equivocados, como os filósofos perceberam depois, as linhas de pesquisa nascentes, que alimentavam a pretensão à cientificidade, acabaram por assimilar uma visão de ciência irreal. Isso levou a que adotassem métodos inadequados aos fins a que se propuseram, bloqueando-lhes as possibilidades de contribuir significativamente para o avanço de nosso conhecimento no domínio do espírito.

Lamentavelmente, a adoção de uma concepção falha de ciência levou os pesquisadores dessas linhas de investigação a não somente empenharem de modo infrutífero os seus esforços, como também a desprezarem, ou mesmo repelirem, as conquistas e métodos de uma legítima ciência do espírito, o Espiritismo. Uma análise mais detalhada desse ponto pode ser encontrada na seção 4 de “A excelência metodológica do Espiritismo”, e não será reproduzida aqui.

6. A ciência espírita e as ciências acadêmicas

Contrariamente ao que alguns críticos mal informados acerca do Espiritismo e das teorias científicas contemporâneas alegam, o Espiritismo não conflita com qualquer uma das teorias científicas maduras, quer da física, quer da química ou da biologia. É de crucial importância notar que embora o Espiritismo seja uma ciência, ele não se confunde com tais ciências, do mesmo modo como elas não se confundem entre si. Os domínios de fenômenos por elas tratados não coincidem, sendo antes complementares.

Kardec compreendeu perfeitamente bem essa distinção, e chamou a atenção para ela em diversos de seus textos, como por exemplo no item VII da Introdução do Livro dos Espíritos. Ali argumentou com segurança que “o Espiritismo não é da alçada da ciência”, ou seja, das ciências acadêmicas. Por outro lado, no parágrafo 16 do primeiro capítulo de A Gênese, enfatizou a referida complementaridade do Espiritismo e dessas ciências, afirmando que “o Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente”.[5]

A percepção desses pontos evita uma série de julgamentos e posturas equivocados, que têm ameaçado o movimento espírita atual. Vêem-se, com efeito, pessoas que imaginam que a ciência espírita consiste justamente naquelas linhas de investigação iniciadas depois de Kardec, e cuja fragilidade científica é evidente, à luz de uma análise filosófica cuidadosa. Outros pensam que a ciência espírita consiste de investigações do âmbito das ciências acadêmicas, especialmente as que envolvam experimentos conduzidos com o auxílio de aparelhagens complexas, de uso nos laboratórios de física, e dentro de referenciais teórico-conceituais emprestados dessa ciência. Assume-se que é o uso desses aparelhos e o emprego de terminologia técnica (aliás quase sempre não compreendida por quem a usa dentro de tais contextos) que confere cientificidade às investigações.

Dada a gravidade dos enganos envolvidos em semelhantes posições, vale a pena nos determos um pouco mais sobre elas. Deve-se, além dos esclarecimentos gerais já indicados, notar que o estabelecimento dos princípios básicos do Espiritismo prescinde completamente do uso de qualquer aparelho e do recurso a qualquer teoria física. O mais fundamental de tais princípios é o da existência do espírito, ou seja, da existência de algo no homem que é a sede do pensamento e dos sentimentos e sobrevive à morte corporal. Como enfatizou Kardec, a comprovação cabal desse princípio se dá mediante os fenômenos a que denominou “de efeitos intelectuais”, quais sejam a tiptologia, a psicofonia e a psicografia. Quem quer que reflita com isenção sobre fenômenos dessa ordem não terá dificuldade em reconhecer que atestam a existência do espírito de modo inequívoco.

Nessa avaliação, é importante notar a diferença que existe entre esse princípio básico do Espiritismo e alguns dos princípios das teorias físicas e químicas contemporâneas, por exemplo. Nestes últimos casos, o “grau teórico” (se assim nos podemos exprimir) é muito maior, ou, em outros termos, os princípios estão muito mais distantes do nível fenomenológico, ou seja, da observação empírica direta. O caminho que vai da observação até o princípio teórico é bastante indireto, passando por uma série de teorias auxiliares, necessárias, por exemplo, para tratar do funcionamento e interpretação dos dados dos aparelhos envolvidos. Nessas circunstâncias, a segurança com que os princípios podem ser afirmados fica evidentemente limitada; há em geral possibilidades plausíveis de explicações dos mesmo fenômenos através de princípios teóricos diferentes. E, de fato, a história da física e da química tem ilustrado a instabilidade de suas teorias que avançam além do nível da percepção direta.

No caso do referido princípio espírita, bem como de vários outros dos princípios básicos do Espiritismo, a situação é bastante diversa. Trata-se de princípios pertencentes à classe de princípios a que os filósofos denominam “fenomenológicos”, que estão na base do edifício do conhecimento, dado o seu alto grau de certeza. Proposições dessa classe são, por exemplo, as de que o fogo queima e a cicuta envenena.

Notemos que a inferência espírita diante de um fenômeno de efeitos intelectuais – a saber, que são causados por uma inteligência humana desencarnada – não difere em nada das inferências que fazemos a partir dos fenômenos ordinários. Quando, por exemplo, o carteiro traz à nossa casa um papel no qual lemos certas frases, não nos acudirá à cabeça a idéia de que elas não foram escritas por um determinado amigo, por exemplo, quando relatam fatos, contêm expressões e expressam pensamentos peculiares e íntimos, característicos daquele amigo. Exatamente o mesmo se dá com numerosos e variados casos de psicografia ou outras manifestações inteligentes. Não constitui exagero, pois, afirmar-se que a constatação cuidadosa de uns poucos casos dessa espécie é suficiente para eliminar qualquer dúvida acerca da sobrevivência do ser.

É importante observar, por fim, que além dos fenômenos especiais que formam a classe dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apóia-se também em uma multidão de fenômenos ordinários, em virtude de oferecer uma base sólida para sua compreensão. Referimo-nos, por exemplo, às nossas inclinações e sentimentos, às peculiaridades de nosso relacionamento com as pessoas que nos cercam, aos acontecimentos marcantes de nossas vidas, aos distúrbios da personalidade, aos efeitos psicossomáticos, aos sonhos, à evolução das espécies e das civilizações, etc.

Entendemos que a desconsideração desse vasto corpo de evidências indiretas a favor do Espiritismo constitui omissão séria da parte de seus críticos. Com seu agudo senso científico, Kardec percebeu desde o início que o alcance do Espiritismo transcendia de muito os fenômenos mediúnicos e anímicos específicos que motivaram o seu surgimento. “O estudo do Espiritismo é imenso”, disse Kardec em outra passagem; “interessa a todas as questões da metafísica e da ordem social; é todo um mundo que se abre diante de nós” (O Livro dos Espíritos, Introdução, item XIII).

7. O aspecto religioso do Espiritismo [6]

Do mesmo modo como tem havido falta de compreensão acerca do caráter científico do Espiritismo e de suas relações com as ciências, seu caráter religioso e suas relações com as religiões também têm constituído ponto de freqüentes confusões. Assim como se pode mostrar ser o Espiritismo científico, embora não se inclua entre as ciências ordinárias, por estudar um domínio diverso de fenômenos, pode-se, conforme o fez o próprio Kardec, mostrar que o Espiritismo é religioso, embora não se confunda com as religiões ordinárias. Se no estabelecimento da primeira dessas teses é necessário identificar corretamente que características de uma teoria a tornam científica, temos, para justificar a segunda, que estabelecer critérios adequados para a classificação de uma doutrina no âmbito religioso.

A palavra religião evoca, por sua origem, à idéia da “re-ligação” do homem ao Criador. Como se sabe, ao longo da história inúmeras propostas se apresentaram de como essa “re-ligação” deve ser entendida e efetuada, resultando daí as diversas “religiões”.

Afora divergências sobre a própria noção de Deus e da natureza do ser humano, as religiões se diferenciam quanto aos requisitos propostos para que a criatura se religue a Deus. Quase sempre, eles incluem a adequação da conduta a certas regras morais. Tipicamente, também incluem a satisfação de providências formais e externas de vária ordem: participação em cultos, rituais, cerimônias; realização de determinados gestos; recitação de fórmulas e rezas; adoração de imagens e objetos diversos; promessas, penitências, jejuns, etc.

Ora, já se pode perceber aqui algumas distinções fundamentais entre o Espiritismo e as religiões ordinárias. Como elas, o Espiritismo também se preocupa com o destino do homem, na Terra e no além-túmulo, procurando instruí-lo quanto ao que deve fazer para que alcance estados de felicidade cada vez maior. No entanto, o Espiritismo propõe que esse objetivo pode ser alcançado exclusivamente pela adaptação da conduta a determinados preceitos morais. Qualquer medida de ordem exterior é mostrada ser não somente ineficaz, mas também, em muitos casos, nociva, por desviar a atenção do ponto principal e induzir ao sectarismo.

Depois, uma diferença crucial surge no modo pelo qual as regras éticas são justificadas. As religiões ordinárias procuram justificar as normas morais que propõem recorrendo à autoridade desse ou daquele indivíduo ou instituição. Já o Espiritismo fundamenta o corpo de seus princípios éticos – sintetizados no preceito cristão do amor ao próximo – no conhecimento que cientificamente alcança das conseqüências das ações humanas ao longo da existência ilimitada dos seres, conjugado à cláusula teleológica de que todos almejam a felicidade. Não há aqui lugar para dogmas e imposições, mas exclusivamente investigação livre e racional dos fatos. Aliás esse já era o modo pelo qual o Apóstolo Paulo entendia a moral, pois em sua primeira carta aos Coríntios (10:23) asseverou: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, porém nem todas edificam.”

Em diversas de suas obras, Kardec deu grande importância ao estabelecimento da moral espírita, abordando o assunto em profundidade. Mostrou que, com o conhecimento científico espírita, a moral deixa de ser uma questão de especulações abstratas ou de opiniões, estando indissociavelmente ligada ao estudo dos efeitos naturais das ações humanas, em conexão com a busca da felicidade, objetivo comum de todos os seres humanos. Ressaltou ainda que o corpo de princípios morais obtidos por essa via da razão e da experiência coincide com aquele proposto por Jesus. Conforme registrou no parágrafo 56 do primeiro capítulo de A Gênese, o Espiritismo “[dá] por sanção à doutrina cristã as próprias leis da Natureza”.
Ora, na medida em que fornece ao homem conhecimento seguro das regras de conduta capazes de harmonizá-lo consigo mesmo e com os demais seres – e portanto, efetivamente, com o plano divino –, o Espiritismo torna-se “o mais potente auxiliar da religião”, conforme nota Kardec nos lúcidos comentários adidos às questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos. A religião aqui aludida não se confunde, evidentemente, com as doutrinas religiosas tradicionais, com suas hierarquias, dogmas inquestionáveis e práticas exteriores, sendo antes uma religião no sentido próprio do termo, explicado acima.
A velha questão de se o Espiritismo é ou não uma religião não admite, pois, resposta unívoca, dada a duplicidade semântica do termo ‘religião’. Esse ponto foi estudado em profundidade no artigo de Kardec intitulado justamente “Le Spiritisme est-il une religion?”, que apareceu na Revue Spirite de 1868.[7] Para encerrar, vejamos estes parágrafos do famoso texto:
[...] o Espiritismo é, assim, uma religião? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião? Pela razão de que há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, evocando unicamente uma idéia de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.

Não apresentando nenhuma das características de uma religião, na acepção usual da palavra, o Espiritismo não poderia nem deveria ornar-se de um título sobre cujo significado inevitavelmente haveria mal-entendidos. Eis porque ele se diz simplesmente uma doutrina filosófica e moral.

8. Conclusões

Inegavelmente, o Espiritismo é um empreendimento intelectual de ampla envergadura. Em diversas ocasiões Allan Kardec ressaltou o seu caráter abrangente, bem como a importância de considerá-lo em seu conjunto, quando se trata de avaliá-lo e de investigar suas implicações.

Como vimos, na primeira linha da segunda edição do Livro dos Espíritos Kardec caracterizou-o sucintamente como “filosofia espiritualista”. Espiritualista, porque estando centrado na constatação de que o homem é essencialmente, enquanto ser pensante, espírito, insere-se no âmbito das doutrinas que se contrapõem ao materialismo. Filosofia, porque investiga esse ser espiritual segundo uma abordagem racional, sistemática e abrangente, típica da tradição de pesquisa inaugurada pelos filósofos gregos, e que permeia toda a cultura ocidental até hoje. Nesse sentido original, a filosofia abarcava todos os ramos do saber puro. Mesmo aquilo que, a partir de uma certa época da história do pensamento, passou a ser chamado de ciência caía sob o escopo da filosofia.

Assim, a caracterização kardequiana em análise não deve ser tomada como excluindo a dimensão científica do Espiritismo, muito pelo contrário. Conforme deixou claro no desdobramento de suas pesquisas, Kardec compreendeu que tal dimensão não somente existia, mas que constituía mesmo a base sobre a qual a filosofia espírita repousa. Note-se, por exemplo, que no preâmbulo de O que é o Espiritismo Kardec o define como “uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”. Quando bem compreendida, essa definição não conflita com a que está na página de rosto do Livro dos Espíritos. Apenas salienta que os fundamentos da filosofia espírita são científicos, e não puramente especulativos, ou derivados de alguma tradição mística, religiosa, ou qualquer outra. Foi a análise científica de certos fenômenos que deu origem ao Espiritismo, e estabeleceu desde então o núcleo teórico sobre o seu objeto de estudo, ou seja, o espírito.

No entanto, como essa análise conduz, por sua própria natureza, a tópicos extremamente abrangentes e fundamentais, no que diz respeito ao conhecimento do espírito, ela avança por domínios tipicamente considerados filosóficos, mesmo segundo a concepção contemporânea, mais restrita, de filosofia. O caso quiçá mais importante dessa extensão é o da moral (ou ética). Kardec explorou com grande lucidez as implicações do conhecimento científico espírita para as questões-chave da moral, dentre as quais a da fundamentação das regras morais. Fez notar que o conhecimento científico acerca do homem propiciado pelo Espiritismo permite o estabelecimento de um corpo de princípios morais objetivos, e que ele coincide com aqueles propostos pelo Cristo. Salientou ainda que tais princípios sintetizam o que há de essencial na noção de religião. Nesse sentido, e apenas nele, o Espiritismo pode ser dito uma religião, adverte Kardec no famoso artigo da Revue Spirite.

Dessa forma, os chamados “três aspectos” (ou “partes”) do Espiritismo encontram-se inextricavelmente ligados. Talvez mesmo devêssemos evitar a utilização dessa expressão, porque pode induzir à idéia errônea de que se trata de três elementos separados ou separáveis, que agrupamos apenas por conveniência. É significativo, a esse respeito, que o próprio Kardec tenha evitado caracterizar o Espiritismo em tais termos. Quando tentou sintetizar a natureza do Espiritismo, recorreu ora à noção de filosofia, ora à de ciência, dependendo do contexto. Mas em ambos os casos indicou que não se tratava de uma delimitação muito estreita da noção.

Se pensarmos no Espiritismo em termos de filosofia, será uma filosofia apoiada em bases científicas, e que tem como um dos objetivos centrais o estudo das questões morais. Se pensarmos em termos de ciência, não será uma pesquisa seca, que simplesmente constate e sistematize fatos, mas de uma investigação de longo alcance sobre um objeto de fundamental importância, o elemento espiritual. Essa ciência complementa, pois, as ciências acadêmicas, cujo objeto de estudo é o elemento material. E, pela própria natureza de seu objeto de estudo, a ciência espírita necessariamente diz respeito a tópicos genuinamente filosóficos, dentre os quais ressalta, por sua importância prática, aqueles referentes à moral.









Referências
Chalmers, A. F. What is this Thing called Science? 2nd. ed., Buckingham, Open University Press, 1982.
Chibeni, S. S. “Os fundamentos da ética espírita”, Reformador, junho de 1985, pp. 166-9.
–––. “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, pp. 328-333, e dezembro de 1988, pp. 373-378.
–––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, pp. 45-52.
–––. “O paradigma espírita”, Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.
–––. “As acepções da palavra ‘Espiritismo’ e a preservação doutrinária”. Reformador, julho de 1999, pp. 212-214. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – I.)
–––. “Revisão da terminologia espírita?”. Reformador, agosto de 1999, pp. 250-252. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – II.)
–––. “A religião espírita”. Reformador, setembro de 1999, pp. 280-282. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – III.)
–––. “A ‘ciência oficial’”. Reformador, outubro de 1999, pp. 312-313. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – IV.)
–––. “As relações da ciência espírita com as ciências acadêmicas”. Reformador, novembro de 1999, pp. 344-346. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – V.)
–––. “Algumas abordagens recentes dos fenômenos espíritas”. Reformador, dezembro de 1999, pp. 380-383. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – VI.)
–––. “A pesquisa científica espírita” Reformador, janeiro de 2000, pp. 24-25. (Questões sobre a natureza do Espiritismo – VII.)
Kardec, A. Le Livre des Esprits. Reprodução fotomecânica da 1a ed. francesa. 1a ed, bilíngüe, trad. e ed. Canuto Abreu. São Paulo, Companhia Editora Ismael, 1957.
–––. Livre des Esprits. Reprodução fotomecânica da 2a ed. francesa, com adendos do Autor. 1a. ed., Rio, Federação Espírita Brasileira, 1998.
–––. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. Revue Spirite. Coleção da Federação Espírita do Paraná.
–––. Qu'est-ce que le Spiritisme. Paris, Dervy-Livres, 1975.
–––. O que é o Espiritismo. (s. trad.) 25a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, 1972.
–––. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. Voyage Spirite en 1862. Paris, Vermet, 1988.
–––. 2 L’Évangile selon le Spiritisme. (Reprodução fotográfica da 3a edição francesa.) 1a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1979.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 113a ed., Rio, FEB.
–––. Le Ciel et l’Enfer.Farciennes, Editions de l’Union Spirite, 1951.
–––. O Céu e o Inferno. Trad. de Manuel Quintão. 28ª edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion Scientifique, s.d.
–––. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro, 23a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s. d.
–––. Oeuvres Posthumes. (Ed. André Dumas.) Paris, Dervy-Livres, 1978. Também na edição original de Leymarie, em texto eletrônico, Centre d'Études Spirites Léon Denis: http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf/
–––. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
Lakatos, I. “Falsification and the methodology of scientific research programmes”. In: Lakatos I, e Musgrave, A. (eds.) Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge, Cambridge University Press, 1970. Pp. 91-195.
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[1] Neste trabalho usaremos as seguintes abreviações: LE - O Livro dos Espíritos; QE – O que é o Espiritismo; LM – O Livro dos Médiuns; ESE – O Evangelho Segundo o Espiritismo; CI – O Céu e o Inferno; G – A Gênese; OP – Obras Póstumas (as referências de páginas deste livro são feitas pela tradução da FEB); VE – Viagem Espírita em 1862 (páginas pela edição francesa corrente).
[2] Outros exemplos importantes do uso da expressão ‘filosofia espírita’ na acepção ampla estão em: LM, parágrafos 14 (n. 7) e 32, capítulo 31 (item 18); OP, pp. 221, 247 e 253; QE, Preâmbulo; VE, pp. 6, 8 e 20.
[3] Esta seção e a seguinte aproveitam partes de nossos artigos “Espiritismo e ciência” e “A excelência metodológica do Espiritismo”, que deverão ser consultados para um tratamento mais detalhado do assunto. Ver também os artigos sobre ciência espírita na série “Questões sobre a natureza do Espiritismo”. As referências são dadas no final deste trabalho.
[4] Ver Lakatos 1970. Para uma exposição acessível dessa e de outras abordagens da questão da natureza da ciência, consulte-se Chalmers 1982. Para uma análise da ciência espírita à luz de outra teoria filosófica contemporânea acerca da ciência, elaborada por Thomas Kuhn mais ou menos no mesmo período, ver nosso artigo “O paradigma espírita”.
[5] Note-se que nessas citações o termo ‘ciência’ é usado numa acepção mais restrita do que a anteriormente elucidada. Para um estudo mais completo da análise kardequiana das relações entre o Espiritismo e as ciência ordinárias, ver a seção 3 de “A excelência metodológica do Espiritismo” e as partes IV e V da série “Questões sobre a natureza do Espiritismo”.
[6] Esta seção aproveita idéias e trechos de nossos artigos “Os fundamentos da ética espírita”, “A excelência metodológica do Espiritismo”, seção 5, e “A religião espírita” (o terceiro artigo da série “Questões acerca da natureza do Espiritismo”), que deverão ser consultados para um maior desenvolvimento do assunto.
[7] Dezembro, pp. 353-62. Note-se que se trata de uma dos últimos números da Revue compostos por Kardec. O texto expressa, pois, o seu pensamento mais refletido sobre o assunto.

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Obras Básicas da Doutrina Espírita:

Resumo das Obras Básicas da Doutrina Espírita
Grupo Espírita Apóstolo Paulo
1. O Livro dos Espíritos: lançado por Allan Kardec em 1857, é o principal livro da Doutrina Espírita. Podemos chamá-lo de espinha dorsal, pois sustenta todas as outras obras doutrinárias. Divide-se em quatro partes: "As causas primárias"; "Mundo espírita ou dos Espíritos"; "As leis morais"; e "Esperanças e consolações". É composto de 1018 perguntas feitas por Kardec aos Espíritos superiores responsáveis pela vinda do Espiritismo aos homens. O que é Deus? De onde viemos? Para aonde vamos? O que estamos fazendo na Terra? Estas são algumas das questões respondidas pela falange do Espírito de Verdade.
2. O Livro dos Médiuns: teve seu lançamento em 1861. Nele, Allan Kardec mostra os benefícios e os perigos da mediunidade, ou seja, o canal que liga o homem encarnado ao mundo espiritual. Demonstra que embora todos os seres vivos possuam esta abertura de contato, há aqueles que a têm de uma forma mais abrangente. Kardec e os Espíritos superiores alertam sobre a sutileza desta faculdade, para que uma pessoa possa contatar os Espíritos sem ser prejudicada por entidades maléficas, descontrolando sua mediunidade.
3. O Evangelho Segundo o Espiritismo: editado em 1864, esta obra pode ser entendida como a parte moral da Doutrina Espírita. Nela, Kardec e os Espíritos superiores comentam numa linguagem acessível as principais passagens da vida de Jesus. Explicam suas parábolas e demonstram a grandiosidade do Mestre nos seus ensinos, dando-nos, além disso, conselhos importantes sobre nossa conduta diária frente às dificuldades e dúvidas da vida.
4. O Céu e o Inferno: Kardec lançou este livro em 1865. Através da evocação dos Espíritos de pessoas das mais diferentes classes sociais, crenças e condutas, demonstra-nos como foi a chegada e a vivência espiritual destes seres após o seu desencarne. Rainhas, camponeses, religiosos, assassinos, ignorantes e intelectuais são alguns dos que contam o que os aguardava depois de suas atitudes terrenas e como poderão ser suas vidas futuras.
5. A Gênese: nesta obra, de 1868, Kardec explica a Gênesis Bíblica, a formação do Universo, demonstrando a coerência da mesma quando confrontada com os conhecimentos científicos, despida das alegorias próprias da época em que foi escrita. Expõe o que são os milagres, explicados pelas leis da natureza, produtos da modificação dos fluidos que nos cercam. Enfim, faz a religião e a ciência caminharem juntas, fortalecendo a fé dos que crêem em Deus.
O Livro dos Espíritos Filosofia Espiritualista
Contendo
Os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade – segundo o ensinamento dos Espíritos superiores, através de diversos médiuns, recebidos e ordenados porAllanKardec Tradução de Renata Barbosa da Silva e Simone T. Nakamura Bele da Silva Edição Petit Editora
Índice das matérias
Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita Princípios Básicos
Parte Primeira – As Causas Primárias
Capítulo 1 Deus
Deus e o infinito / Provas da existênciade Deus / Atributos da Divindade / Panteísmo
Capítulo 2 Elementos gerais do universo
Conhecimento do princípio das coisas
Espírito e matéria
Propriedades da matéria
Espaço universal
Capítulo 3 Criação
Formação dos mundos
Formação dos seres vivos
Povoamento da Terra. Adão
Diversidade das raças humanas
Pluralidade dos mundos
Considerações e concordâncias bíblicas a respeito da Criação
Capítulo 4 Princípio vital
Seres orgânicos e inorgânicos
A vida e a morte
Inteligência e instinto
Parte Segunda – Mundo espírita ou dos espíritos
Capítulo 1 dos Espíritos
Origem e natureza dos Espíritos
Mundo normal primitivo
Forma e ubiqüidade dos Espíritos
Perispírito
Diferentes ordens de Espíritos
Escala Espírita
Terceira ordem - Espíritos imperfeitos
Segunda ordem - Bons Espíritos
Primeira ordem - Espíritos puros
Progressão dos Espíritos
Anjos e demônios
Capítulo 2 Encarnação dos espíritos
Objetivo da encarnação
A alma
Materialismo
Capítulo 3 Retorno da vida corporal à vida espiritual
A alma após a morte
Separação da alma e do corpo
Perturbação espiritual
Capítulo 4 Pluralidade das existências
A reencarnação
Justiça da reencarnação
Encarnação nos diferentes mundos
Transmigração progressiva
Destinação das crianças após a morte
Sexo nos Espíritos
Parentesco, filiação
Semelhanças físicas e morais
Idéias inatas
Capítulo 5 Considerações sobre a Pluralidade das existências
Capítulo 6 Vida espírita
Espíritos errantes
Mundos transitórios
Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos
Ensaio teórico sobre a sensação nos Espíritos
Escolha das provas
Relações após a morte
Relações de simpatia e antipatia dos Espíritos. Metades eternas
Lembrança da existência corporal
Comemoração dos mortos. Funerais

Capítulo 7 Retorno à vida corporal
Prelúdio do retorno
União da alma e do corpo. Aborto
Faculdades morais e intelectuais do homem
Influência do organismo
Os deficientes mentais e a loucura
Infância
Simpatias e antipatias terrenas
Esquecimento do passado
Capítulo 8 Da emancipação da alma
O sono e os sonhos
Visitas espíritas entre pessoas vivas
Transmissão oculta do pensamento
Letargia, catalepsia, mortes aparentes
Sonambulismo
Êxtase
Dupla vista
Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista
Capítulo 9 Intervenção dos espíritos no mundo corporal
Como os Espíritos podem penetrar nossos pensamentos
Influência oculta dos Espíritos sobre nossos pensamentos e nossas ações
Possessos
Convulsivos
Afeição dos Espíritos por certas pessoas
Anjos de guarda; Espíritos protetores, familiares ou simpáticos
Pressentimentos
Influência dos Espíritos sobre os acontecimentos da vida
Ação dos Espíritos sobre os fenômenos da natureza
Os Espíritos durante os combates
Pactos
Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros
Bênção e maldição
Capítulo 10 Ocupações e missões dos espíritos
Capítulo 11 Os três reinos
Os minerais e as plantas
Os animais e o homem
Metempsicose


Parte Terceira – Leis morais

Capítulo 1 Lei divina ou natural
Características da lei natural
Origem e conhecimento da lei natural
O bem e o mal
Divisão da lei natural

Capítulo 2 Lei de adoração
Objetivo da adoração
Adoração exterior
Vida contemplativa
Prece
Politeísmo
Sacrifícios
Capítulo 3 Lei do trabalho
Necessidade do trabalho
Limite do trabalho. Repouso
Capítulo 4 Lei de Reprodução
População do globo
Sucessão e aperfeiçoamento das raças
Obstáculos à reprodução
Casamento e celibato
Poligamia
Capítulo 5 Lei de conservação
Instinto de conservação
Meios de conservação
Prazeres dos bens da terra
Necessário e supérfluo
Privações voluntárias. Mortificações
Capítulo 6 Lei de destruição
Destruição necessária e destruição abusiva
Flagelos destruidores
Guerras
Assassinato
Crueldade
Duelo
Pena de morte
Capítulo 7 Lei de Sociedade
Necessidade da vida social
Vida de isolamento. Voto de silêncio
Laços de família
Capítulo 8 Lei do Progresso
Estado natural
Marcha do progresso
Povos degenerados
Civilização
Progresso da legislação humana
Influência do Espiritismo sobre o progresso



Capítulo 9 Lei de igualdade
Igualdade natural
Desigualdade das aptidões
Desigualdades sociais
Desigualdade das riquezas
Provas de riqueza e de miséria
Igualdade dos direitos do homem e da mulher
Igualdade diante do túmulo
Capítulo 10 Lei de Liberdade
Liberdade natural
Escravidão
Liberdade de pensar
Liberdade de consciência
Livre-arbítrio
Fatalidade
Conhecimento do futuro
Resumo teórico da motivação das ações do homem
Capítulo 11 Lei de justiça, amor e caridade
Justiça e direitos naturais
Direito de propriedade. Roubo
Caridade e amor ao próximo
Amor maternal e filial
Capítulo 12 Perfeição moral
As virtudes e os vícios
Paixões
Egoísmo
Características do homem de bem
Conhecimento de si mesmo
Parte Quarta – Esperanças e Consolações
Capítulo 1 Penalidades e prazeres terrenos
Felicidade e infelicidade relativas
Perda de pessoas amadas
Decepção. Ingratidão. Afeições destruídas
Uniões antipáticas
Medo da morte
Desgosto da vida. Suicídio
Capítulo 2 Penalidades e prazeres futuros
O nada. Vida futura
Intuição das penalidades e prazeres futuros
Intervenção de Deus nas penalidades e recompensas
Natureza das penalidades e prazeres futuros
Penalidades temporais
Expiação e arrependimento
Duração das penalidades futuras
Ressurreição da carne
Paraíso, inferno e purgatório


O Livro dos Médiuns - ALLAN KARDEC - Espiritismo Experimental
Contendo os ensinamentos dos Espíritos sobre a teoria de todos os gêneros de manifestações, os meios de comunicação com o Mundo Invisível, o desenvolvimento da mediunidade, as dificuldades e os escolhos que se podem encontrar na prática do Espiritismo.
Em continuação de "O LIVRO DOS ESPÍRITOS"

ÍNDICE
• Introdução
PRIMEIRA PARTE Noções Preliminares
• Capítulo I - Há Espíritos?
• Capítulo II - Do maravilhoso e do sobrenatural
• Capítulo III - Do Método
• Maneira de proceder com os materialistas
• Classes de materialistas
• Tipos de incredulos
• Três classes de espíritas
• Ordem nos estudos espíritas
• Capítulo IV - Dos Sistemas
• Exame das diferentes maneiras de se encarar o Espiritismo
• Sistemas negativos
• Sistemas afirmativos
SEGUNDA PARTE Das Manifestações Espíritas
• Capítulo I - Da Ação dos Espíritos Sobre a Matéria
• Capítulo II - Das Manifestações Físicas - Das Mesas Girantes
• Capítulo III - Das Manifestações Inteligentes
• Capítulo IV - Da Teoria das Manifestações Físicas
• Movimentos e suspensões.
• Ruídos.
• Aumento e diminuição de peso dos corpos
• Capítulo V - Das Manifestações Físicas Espontâneas
• Ruídos, barulhos e perturbações.
• Arremesso de objetos.
• Fenômeno de transporte.
• Capítulo VI - Das Manifestações Visuais
• Noções sobre as aparições
• Ensaio teórico sobre as aparições
• Espíritos glóbulos
• Teoria da alucinação
• Capítulo VII - Da Bicorporeidade e da Transfiguração
• Aparições dos Espíritos de pessoas vivas
• Homens duplos
• Santo Afonso de Liguori e Santo Antônio de Pádua
• Vespasiano
• Transfiguração
• Invisibilidade
• Capítulo VIII - Do Laboratório do Mundo Invisível
• Vestuário dos Espíritos
• Formação espontânea de objetos tangíveis
• Modificação das propriedades da matéria
• Ação magnética curadora
• Capítulo IX - Dos Lugares Assombrados
• Capítulo X - Da Natureza das Comunicações
• Comunicações grosseiras, frívolas, sérias e instrutivas
• Capítulo XI - Da Sematologia e da Tiptologia
• Linguagem dos sinais e das pancadas
• Tiptologia alfabética
• Capítulo XII - Da Pneumatografia ou Escrita Direta - Da Pneumatofonia
• Escrita direta
• Pneumatofonia
• Capítulo XIII - Da Psicografia
• Psicografia indireta: cestas e pranchetas.
• Psicografia direta ou manual.
• Capítulo XIV - Dos Médiuns
• Médiuns de efeitos físicos
• Pessoas elétricas
• Médiuns sensitivos ou impressionáveis
• Médiuns audientes
• Médiuns falantes
• Médiuns videntes
• Médiuns sonambúlicos
• Médiuns curadores
• Médiuns pneumatógrafos
• Capítulo XV - Dos Médiuns Escreventes ou Psicógrafos
• Médiuns mecânicos
• Médiuns intuitivos
• Médiuns semimecânicos
• Médiuns inspirados ou involuntários
• Médiuns de pressentimentos
• Capítulo XVI - Dos Médiuns Especiais
• Aptidões especiais dos médiuns
• Quadro sinóptico das diferentes espécies de médiuns
• Espécies comuns a todos os gêneros de mediunidade
• Espécies especiais para os efeitos físicos
• Médiuns especiais para efeitos intelectuais. Aptidões diversas
• VARIEDADES DOS MÉDIUNS ESCREVENTES. Segundo o modo de execução
• Segundo o desenvolvimento da faculdade
• Segundo o gênero e a particularidade das comunicações
• Segundo as qualidades físicas do médium
• Segundo as qualidades morais dos médiuns
• Médiuns imperfeitos
• Bons médiuns
• Capítulo XVII - Da Formação dos Médiuns
• Desenvolvimento da mediunidade
• Mudança de caligrafia
• Perda e suspensão da mediunidade
• Capítulo XVIII - Dos Inconvenientes e Perigos da Mediunidade
• Influência do exercício da mediunidade sobre a saúde
• Idem sobre o cérebro
• Idem sobre as crianças
• Capítulo XIX - Do Papel dos Médiuns nas Comunicações Espíritas
• Influência do Espírito pessoal do médium
• Sistema dos médiuns inertes
• Aptidão de certos médiuns para coisas de que nada conhecem: línguas, música, desenho
• Dissertação de um Espírito sobre o papel dos médiuns
• Capítulo XX - Da Influência Moral do Médium
• Questões diversas
• Dissertação de um Espírito sobre a influência moral
• Capítulo XXI - Da Influência do Meio
• Capítulo XXII - Da Mediunidade nos Animais
• Capítulo XXIII - Da Obsessão
• Obsessão simples
• Fascinação
• Subjugação
• Causas de obsessão
• Meios de a combater
• Capítulo XXIV - Da Identidade dos Espíritos
• Provas possíveis de identidade
• Modo de se distinguirem os bons dos maus Espíritos
• Questões sobre a natureza e a identidade dos Espíritos
• Capítulo XXV - Das Evocações
• Considerações gerais
• Espíritos que se podem evocar
• Linguagem de que se deve usar com os Espíritos
• Utilidade das evocações particulares
• Questões sobre as evocações
• Evocações dos animais
• Evocações das pessoas vivas
• Telegrafia humana
• Capítulo XXVI - Das Perguntas que se Podem Fazer aos Espíritos
• Observações preliminares
• Perguntas simpáticas ou antipáticas aos Espíritos
• Perguntas sobre o futuro
• Sobre as existências passadas e vindouras
• Sobre interesses morais e materiais
• Sobre a sorte dos Espíritos
• Sobre a saúde
• Sobre as invenções e descobertas
• Sobre os tesouros ocultos
• Sobre os outros mundos
• Capítulo XXVII - Das Contradições e das Mistificações
• Das contradições
• Das mistificações
• Capítulo XXVIII - Do Charlatanismo e do Embuste
• Médiuns interesseiros
• Fraudes espíritas
• Capítulo XXIX - Das Reuniões e das Sociedades Espíritas
• Das reuniões em geral
• Das Sociedades propriamente ditas
• Assuntos de estudo
• Rivalidades entre as Sociedades
• Capítulo XXX - Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
• Capítulo XXXI - Dissertações Espíritas
• Acerca do Espiritismo
• Sobre os médiuns
• Sobre as sociedades espíritas
• Comunicações apócrifas
• Capítulo XXXII - Vocabulário Espírita


O Evangelho Segundo o Espiritismo por Allan Kardec
Com a explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo
e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida
Fé inabalável só é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.
ÍNDICE
• Prefácio
• Introdução
• I. Objetivo desta obra
• II. Autoridade da Doutrina espírita. Controle universal do ensino dos Espíritos
• III. Notícias históricas
• IV. Sócrates e platão, precursores da idéia cristã e do Espiritismo
• Resumo da doutrina de sócrates e platão
• Capítulo I - Não vim destruir a lei
• As três revelações : Moisés
• Cristo
• Espiritismo
• Aliança da Ciência com a Religião
• Instruções dos espíritos - A nova era
• Capítulo II - Meu reino não é deste mundo
• A vida futura
• A realeza de Jesus
• O ponto de vista
• Instruções dos espíritos - Uma realeza terrena
• Capítulo III - Há muitas moradas na casa de meu Pai
• Diferentes estados da alma na erraticidade
• Diferentes categorias de mundos habitados
• Destinação da Terra . Causas das misérias humanas
• Instruções dos espíritos - Mundos superiores e mundos inferiores
• Mundos de expiações e de provas
• Mundos regeneradores
• Progressão dos mundos
• Capítulo IV - Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo
• Ressurreição e Reencarnação
• A reencarnação fortalece os laços de família, ao passo que a unicidade da existência os rompe
• Instruções dos espíritos - Limites da encarnação
• Necessidade da encarnação
• Capítulo V - Bem-aventurados os aflitos
• Justiça das aflições
• Causas atuais das aflições
• Causas anteriores das aflições
• Esquecimento do passado
• Motivos de resignação
• O suicídio e a loucura
• Instruções dos espíritos - Bem e mal sofrer
• O mal e o remédio
• A felicidade não é deste mundo
• Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras
• Se fosse um homem de bem teria morrido
• Os tormentos voluntários
• A desgraça real
• A melancolia
• Provas voluntárias. O verdadeiro cilício
• Dever-se-á pôr termo às provas do próximo?
• Será lícito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperança de cura?
• Sacrifício da própria vida
• Proveito dos sofrimentos para outrem
• Capítulo VI - O Cristo consolador
• O jugo leve
• Consolador prometido
• Instruções dos espíritos - Advento do Espírito de Verdade
• Capítulo VII - Bem-aventurados os pobres de espírito
• O que se deve entender por pobres de espírito
• Aquele que se eleva será rebaixado
• Mistérios ocultos aos doutos e aos prudentes
• Instruções dos espíritos - O orgulho e a humildade
• Missão do homem inteligente na Terra
• Capítulo VIII - Bem-aventurados os que têm puro o coração
• Simplicidade e pureza de coração
• Pecado por pensamento. Adultério
• Verdadeira pureza. Mãos não lavadas
• Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a
• Instruções dos espíritos - Deixai que venham a mim as criancinhas
• Bem-aventurados os que têm fechados os olhos
• Capítulo IX - Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos
• Injúrias e violências
• Instruções dos espíritos - A afabilidade e a doçura
• A paciência
• Obediência e resignação
• A cólera
• Capítulo X - Bem-aventurados os que são misericordiosos
• Perdoai, para que Deus vos Perdoe
• Reconciliação com os adversários
• O sacrifício mais agradável a Deus
• O argueiro e a trave no Olho
• Não julgueis para não serdes julgados. Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado
• Instruções dos Espíritos: Perdão das ofensas
• A Indulgência
• É permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem, divulgar o mal de outrem?
• Capítulo XI - Amar o próximo como a si mesmo
• O maior mandamento. Fazermos aos outros o que queiramos que os outros nos façam. Parábola dos credores e dos devedores.
• Dai a César o que é de César
• Instruções dos espíritos - A lei de amor
• O egoísmo
• A fé e a caridade
• Caridade com os criminosos
• Deve-se expor a vida por um malfeitor?
• Capítulo XII - Amai os vossos inimigos
• Retribuir o mal com o bem
• Os inimigos desencarnados
• Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra
• Instruções dos espíritos - A vingança
• O ódio
• O duelo




• Capítulo XIII - Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita
• Fazer o bem sem ostentação
• Os infortúnios ocultos
• Óbolo da viúva
• Convidar os pobres e estropiados. Dar sem esperar retribuição
• Instruções dos espíritos - A caridade material e a caridade moral
• A beneficência
• A piedade
• Os órfãos
• Benefícios pagos com a ingratidão
• Beneficência exclusiva
• Capítulo XIV - Honra a vosso pai e a vossa mãe
• Piedade filial
• Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?
• Parentela corporal e a parentela espiritual
• Instruções dos espíritos - A ingratidão dos filhos e os laços de família
• Capítulo XV - Fora da caridade não há salvação
• O de que precisa o Espírito para se salvar. Parábola do bom samaritano
• O maior mandamento
• Necessidade da caridade segundo S. Paulo
• Fora da igreja não ha salvação. Fora da verdade não ha salvação
• Instruções dos espíritos - Fora da caridade não há salvação
• Capítulo XVI - Não se pode servir a Deus e a mamon
• Salvação dos ricos
• Preservar-se da avareza
• Jesus em casa de Zaqueu
• Parábola do mau rico
• Parábola dos talentos
• Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da miséria
• Desigualdade das riquezas
• Instruções dos espíritos - A verdadeira propriedade
• Emprego da riqueza
• Desprendimento dos bens terrenos
• Transmissão da riqueza
• Capítulo XVII - Sede perfeitos
• Caracteres da perfeição
• O homem de bem
• Os bons espíritas
• Parábola do semeador
• Instruções dos espíritos - O dever
• A virtude
• Os superiores e os inferiores
• O homem no mundo
• Cuidai do corpo e do espírito
• Capítulo XVIII - Muitos os chamados, poucos os escolhidos
• Parábola do festim de bodas
• A porta estreita
• Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus
• Muito se pedirá àquele que muito recebeu
• Instruções dos espíritos - Dar-se-á àquele que tem
• Pelas suas obras é que se reconhece o cristão




• Capítulo XIX - A fé transporta montanhas
• Poder da fé
• A fé religiosa. Condição da fé inabalável
• Parábola da figueira que secou
• Instruções dos espíritos - Fé, mãe da esperança e da caridade
• A fé humana e a divina
• Capítulo XX - Os trabalhadores da última hora
• Instruções dos espíritos - Os últimos serão os primeiros
• Missão dos espíritas
• Os obreiros do Senhor
• Capítulo XXI - Haverá falsos cristos e falsos profetas
• Conhece-se a árvore pelo fruto
• Missão dos profetas
• Prodígios dos falsos profetas
• Não creais em todos os Espíritos
• Instruções dos espíritos - Os falsos profetas
• Caracteres do verdadeiro profeta
• Os falsos profetas da erraticidade
• Jeremias e os falsos profetas
• Capítulo XXII - Não separar o que deus juntou
• Indissolubilidade do casamento
• O divórcio
• Capítulo XXIII - Estranha moral
• Odiar os pais
• Abandonar pai, mãe e filhos
• Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos
• Não vim trazer a paz, mas a divisão
• Capítulo XXIV - Não ponhais a candeia debaixo do alqueire
• Candeia sob o alqueire. Porque fala Jesus por parábolas
• Não vades ter com os gentios
• Não sãos os que gozam saúde que precisam de médico
• A coragem da fé
• Carregar a cruz. Quem quiser salvar a vida, perdê-la-á
• Capítulo XXV - Buscai e achareis
• Ajuda-te a ti mesmo, que o céu te ajudará
• Observai os pássaros do céu
• Não vos afadigueis pela posse do ouro
• Capítulo XXVI - Dai gratuitamente o que gratuitamente recebestes
• Dom de Curar
• Preces Pagas
• Mercadores expulsos do templo
• Mediunidade gratuita
• Capítulo XXVII - Pedi e obtereis
• Qualidades da prece
• Eficácia da prece
• Ação da prece. Transmissão do pensamento
• Preces inteligíveis
• Da prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores
• Instruções dos espíritos - Maneira de orar
• Felicidade que a prece proporciona





• Capítulo XXVIII - Coletânea de preces espíritas
• Preâmbulo
• I - Preces gerais:
• Oração dominical
• Reuniões espíritas
• Para os médiuns

• II - Preces por aquele mesmo que ora:
• Aos anjos guardiães e aos Espíritos protetores
• Para afastar os maus espíritos
• Para pedir a corrigenda der um defeito
• Para pedir força de resistir a uma tentação
• Ação de graças pela vitória alcançada sobre uma tentação
• Para pedir um conselho
• Nas aflições da vida
• Ação de graças por um favor obtido
• Ato de submissão e de resignação
• Num perigo iminente
• Ação de graças por haver escapado a um perigo
• À hora de dormir
• Prevendo próxima a morte
• III - Preces por outrem:
• Por alguém que esteja em aflição
• Ação de graças por um beneficio concedido a outrem
• Pelos nossos inimigos e pelos que nos querem mal
• Ação de graças pelo bem concedido aos nossos inimigos
• Pelos inimigos do Espiritismo - Por uma criança que acaba de nascer
• Por um agonizante
• IV - Preces pelos que já não são da Terra:
• Por alguém que acaba de morrer
• Pelas pessoas a quem tivemos afeição
• Pelas almas sofredoras que pedem preces
• Por um inimigo que morreu
• Por um criminoso
• Por um suicida
• Pelos espíritos penitentes
• Pelos Espíritos endurecidos
• V - Preces pelos doentes e pelos obsidiados:
• Pelos doentes
• Pelos obsidiados















O Céu e o Inferno - Ou - A JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O ESPIRITISMO
Exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas, etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte
"Por mim mesmo juro - disse o Senhor Deus - que não quero a morte do ímpio, senão que ele se converta, que deixe o mau caminho e que viva". (EZEQUIEL, 33:11.)
ÍNDICE PRIMEIRA PARTE - DOUTRINA
• CAPÍTULO I - O porvir e o nada
• CAPÍTULO II - Temor da morte
Causas do temor da morte
Porque os espíritas não temem a morte
• CAPÍTULO III - O céu
• CAPÍTULO IV - O inferno
Intuição das penas futuras
O inferno cristão imitado do inferno pagão
Os limbos
Quadro do inferno pagão
Esboço do inferno cristão
• CAPÍTULO V - O purgatório
• CAPÍTULO VI - Doutrina das penas eternas
Origem da doutrina das penas eternas
Argumentos a favor das penas eternas
Impossibilidade material das penas eternas
A doutrina das penas eternas fez sua época
Ezequiel contra a eternidade das penas e o pecado original
• CAPÍTULO VII - As penas futuras segundo o Espiritismo
A carne é fraca
Princípios da Doutrina Espírita sobre as penas futuras
Código penal da vida futura
• CAPÍTULO VIII - Os anjos
Os anjos segundo a Igreja
Refutação
Os anjos segundo o Espiritismo
• CAPÍTULO IX - Os demônios
Origem da crença nos demônios
Os demônios segundo a Igreja
Os demônios segundo o Espiritismo
• CAPÍTULO X - Intervenção dos demônios nas modernas manifestações
• CAPÍTULO XI - Da proibição de evocar os mortos
SEGUNDA PARTE - EXEMPLOS
• CAPÍTULO I - O passamento
• CAPÍTULO II - Espíritos felizes
Sanson
A morte do justo
Jobard
Samuel Filipe
Van Durst
Sixdeniers
O doutor Demeure
A viúva Foulon, nascida Wollis
Um médico russo
Bernadin
A condessa Paula
Jean Reynaud
Antoine Costeau
A Srta. Emma
O doutor Vignal
Victor Lebufle
A Sra. Anais Gourdon
Maurice Gontran
• CAPÍTULO III - Espíritos em condições medianas
Joseph Bré
Sra. Hélène Michel
O marquês de Saint-Paul
Sr. Cardon, médico
Eric Stanislas
Sra. Anna Belleville
• CAPÍTULO IV - Espíritos sofredores
O castigo
Novel
Auguste Michel
Exprobrações de um boêmio
Lisbeth
Príncipe de Ouran
Pascal Lavic
Ferdinand Bertin
François Riquier
Claire
• CAPÍTULO V - Suicidas
O suicida da Samaritana
O pai e o conscrito
François-Simon Louvet
Mãe e filho
Duplo suicídio, por amor e por dever
Luís e a pespontadeira de botinas
Um ateu
Félicen
Antoine Bell
• CAPÍTULO VI - Criminosos arrependidos
Verger
Lemaire
Benoist
O Espírito de Castelnaudary
Jacques Latour
• CAPÍTULO VII - Espíritos endurecidos
Lapommeray
Angèle, nulidade sobre a Terra
Um Espírito aborrecido
A rainha de Oude
Xumène
CAPÍTULO VIII - Expiações terrestres
Marcel, o menino do nº 4
Szymel Slizgol
Julienne-Marie, a mendiga
Max, o mendigo
História de um criado
Antonio B
Letil
Um sábio ambicioso
Charles de Saint-G ..., idiota.............. Françoise Vernhes
Adélaide-Marguerite Gosse................ Anna Bitter
Clara Rivier....................................... Joseph Maître, o cego
A Gênese = OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO POR ALLAN KARDEC
(Autor de "O Livro dos Espíritos")
A Doutrina Espírita há resultado do ensino coletivo e concordante dos Espíritos.
A Ciência é chamada a constituir a Gênese de acordo com as leis da Natureza.
Deus prova a sua grandeza e seu poder pela imutabilidade das suas leis e não pela ab-rogação delas.
Para Deus, o passado e o futuro são o presente.

Índice
Introdução
A Gênese
• CAPÍTULO I - Caráter da revelação espírita
• CAPÍTULO II - Deus
Existência de Deus
Da natureza divina
A Providência
A visão de Deus
• CAPÍTULO III - O bem e o mal.
Origem do bem e do mal
O instinto e a inteligência
Destruição dos seres vivos uns pelos outros
• CAPÍTULO IV - Papel da Ciência na Gênese
• CAPÍTULO V - Antigos e modernos sistemas do mundo
• CAPÍTULO VI - Uranografia geral
O espaço e o tempo
A matéria
As leis e as forças
A criação primária
A criação universal
Os sóis e os planetas
Os satélites
Os cometas
A Via-Láctea
As estrelas fixas
Os desertos do espaço
Eterna sucessão dos mundos
A vida universal
Diversidade dos mundos
• CAPÍTULO VII - Esboço geológico da Terra.
Períodos geológicos
Estado primitivo do globo
Período primário
Período de transição
Período secundário
Período terciário
Período diluviano
Período pós-diluviano, ou atual. - Nascimento do homem
• CAPÍTULO VIII - Teorias sobre a formação da Terra
Teoria da projeção
Teoria da condensação
Teoria da incrustação
Alma da Terra
• CAPÍTULO IX - Revoluções do globo.
Revoluções gerais ou parciais
Idade das montanhas
Dilúvio bíblico
Revoluções periódicas
Cataclismos futuros
Aumento ou diminuição do volume da Terra
• CAPÍTULO X - Gênese orgânica.
Formação primária dos seres vivos
Princípio vital
Geração espontânea
Escala dos seres orgânicos
O homem corpóreo
• CAPÍTULO XI - Gênese espiritual
Princípio espiritual
União do princípio espiritual à matéria
Hipótese sobre a origem do corpo humano
Encarnação dos Espíritos
Reencarnações
Emigrações e imigrações dos Espíritos
Raça adâmica
Doutrina dos anjos decaídos e da perda do paraíso
• CAPÍTULO XII - Gênese mosaica.
Os seis dias
Perda do paraíso
Os Milagres
• CAPÍTULO XIII - Caracteres dos milagres.
Os milagres no sentido teológico
O Espiritismo não faz milagres
Faz Deus milagres?
O sobrenatural e as religiões
• CAPÍTULO XIV - Os fluidos.
I - NATUREZA E PROPRIEDADE DOS FLUIDOS.
Elementos fluídicos
Formação e propriedades do perispírito
Ação dos Espíritos sobre os fluidos. - Criações fluídicas. -Fotografia do pensamento
Qualidades dos fluidos
II. - EXPLICAÇÃO DE ALGUNS FENÔMENOS CONSIDERADOS SOBRENATURAIS.
Vista espiritual ou psíquica. - Dupla vista -Sonambulismo. - Sonhos
Catalepsia. - Ressurreições
Curas
Aparições. - Transfigurações
Manifestações físicas. - Mediunidade
Obsessões e possessões
• CAPÍTULO XV - Os milagres do Evangelho.
Superioridade da natureza de Jesus
Sonhos
Estrela dos magos
Dupla vista
Entrada de Jesus em Jerusalém
Beijo de Judas.
Pesca milagrosa
Vocação de Pedro, André, Tiago, João e Mateus
Curas
Perda de sangue
Cego de Betsaida.
Paralítico
Os dez leprosos
Mão seca
A mulher curvada.
O paralítico da piscina
Cego de nascença
Numerosas curas operadas por Jesus
Possessos
Ressurreições
A filha de Jairo
O filho da viúva de Naim
Jesus caminha sobre a água
Transfiguração
Tempestade aplacada.
Bodas de Caná
Multiplicação dos pães
O fermento dos fariseus.
O pão do céu
Tentação de Jesus
Prodígios por ocasião da morte de Jesus
Aparição de Jesus, após sua morte
Desaparecimento do corpo de Jesus
As Predições
• CAPÍTULO XVI - Teoria da presciência
• CAPÍTULO XVII - Predições do Evangelho
Ninguém é profeta em sua terra
Morte e paixão de Jesus
Perseguição aos apóstolos
Cidades impenitentes.
Ruína do Templo e de Jerusalém
Maldição contra os fariseus
Minhas palavras não passarão
A pedra angular
Parábola dos vinhateiros homicidas
Um só rebanho e um só pastor
Advento de Elias
Anunciação do Consolador
Segundo advento do Cristo
Sinais precursores
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão
Juízo Final
• CAPÍTULO XVIII - São chegados os tempos.
Sinais dos tempos
A geração nova

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Caráter da revelação espírita 2:

Codificação » A Gênese

CAPÍTULO I
Caráter da revelação espírita

1. - Pode o Espiritismo ser considerado uma revelação? Neste caso, qual o seu caráter? Em que se funda a sua autenticidade? A quem e de que maneira foi ela feita? É a doutrina espírita uma revelação, no sentido teológico da palavra, ou por outra, é, no seu todo, o produto do ensino oculto vindo do Alto? É absoluta ou suscetível de modificações? Trazendo aos homens a verdade integral, a revelação não teria por efeito impedi-los de fazer uso das suas faculdades, pois que lhes pouparia o trabalho da investigação? Qual a autoridade do ensino dos Espíritos, se eles não são infalíveis e superiores à Humanidade? Qual a utilidade da moral que pregam, se essa moral não é diversa da do Cristo, já conhecida? Quais as verdades novas que eles nos trazem? Precisará o homem de uma revelação? E não poderá achar em si mesmo e em sua consciência tudo quanto é mister para se conduzir na vida? Tais as questões sobre que importa nos fixemos.

2. - Definamos primeiro o sentido da palavra revelação. Revelar, do latim revelare, cuja raiz, velum, véu, significa literalmente sair de sob o véu - e, figuradamente, descobrir, dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida. Em sua acepção vulgar mais genérica, essa palavra se emprega a respeito de qualquer coisa ignota que é divulgada, de qualquer idéia nova que nos põe ao corrente do que não sabíamos.

Deste ponto de vista, todas as ciências que aos fazem conhecer os mistérios da Natureza são revelações e pode dizer-se que há para a Humanidade uma revelação incessante. A Astronomia revelou o mundo astral, que não conhecíamos; a Geologia revelou a formação da Terra; a Química, a lei das afinidades; a Fisiologia, as funções do organismo, etc.; Copérnico, Galileu, Newton, Laplace, Lavoisier foram reveladores.

3. - A característica essencial de qualquer revelação tem que ser a verdade. Revelar um segredo é tornar conhecido um fato; se é falso, já não é um fato e, por conseqüência, não existe revelação. Toda revelação desmentida por fatos deixa de o ser, se for atribuída a Deus. Não podendo Deus mentir, nem se enganar, ela não pode emanar dele: deve ser considerada produto de uma concepção humana.

4. - Qual o papel do professor diante dos seus discípulos, senão o de um revelador? O professor lhes ensina o que eles não sabem, o que não teriam tempo, nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a Ciência é obra coletiva dos séculos e de uma multidão de homens que trazem, cada qual, o seu contingente de observações aproveitáveis àqueles que vêm depois. O ensino é, portanto, na realidade, a revelação de certas verdades científicas ou morais, físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que as ignoram e que, se assim não fora, as teriam ignorado sempre.

5. - Mas, o professor não ensina senão o que aprendeu: é um revelador de segunda ordem; o homem de gênio ensina o que descobriu por si mesmo: é o revelador primitivo; traz a luz que pouco a pouco se vulgariza. que seria da Humanidade sem a revelação dos homens de gênio, que aparecem de tempos a tempos?

Mas, quem são esses homens de gênio? E, por que são homens de gênio? Donde vieram? Que é feito deles? Notemos que na sua maioria denotam, ao nascer, faculdades transcendentes e alguns conhecimentos inatos, que com pouco trabalho desenvolvem. Pertencem realmente à Humanidade, pois nascem, vivem e morrem como nós. Onde, porém, adquiriram esses conhecimentos que não puderam aprender durante a vida? Dir-se-á, com os materialistas, que o acaso lhes deu a matéria cerebral em maior quantidade e de melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior e mais saboroso do que outro.

Dir-se-á, como certos espiritualistas, que Deus lhes deu uma alma mais favorecida que a do comum dos homens? Suposição igualmente ilógica, pois que tacharia Deus de parcial. A única solução racional do problema está na preexistência da alma e na pluralidade das vidas. O homem de gênio é um Espírito que tem vivido mais tempo; que, por conseguinte, adquiriu e progrediu mais do que aqueles que estão menos adiantados. Encarnando, traz o que sabe e, como sabe muito mais do que os outros e não precisa aprender, é chamado homem de gênio. Mas seu saber é fruto de um trabalho anterior e não resultado de um privilégio. Antes de renascer, era ele, pois, Espírito adiantado: reencarna para fazer que os outros aproveitem do que já sabe, ou para adquirir mais do que possui.

Os homens progridem incontestavelmente por si mesmos e pelos esforços da sua inteligência; mas, entregues às próprias forças, só muito lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados por outros mais adiantados, como o estudante o é pelos professores. Todos os povos tiveram homens de gênio, surgidos em diversas épocas, para dar-lhes impulso e tirá-los da inércia.

6. - Desde que se admite a solicitude de Deus para com as suas criaturas, por que não se há de admitir que Espíritos capazes, por sua energia e superioridade de conhecimento, de fazerem que a Humanidade avance, encarnem pela vontade de Deus, com o fim de ativarem o progresso em determinado sentido? Por que não admitir que eles recebam missões, como um embaixador as recebe do seu soberano? Tal o papel dos grandes gênios. Que vêm eles fazer, senão ensinar aos homens verdades que estes ignoram e ainda ignorariam durante largos períodos, a fim de lhes dar um ponto de apoio mediante o qual possam elevar-se mais rapidamente? Esses gênios, que aparecem através dos séculos como estrelas brilhantes, deixando longo traço luminoso sobre a Humanidade, são missionários ou, se o quiserem, messias. O que de novo ensinam aos homens, quer na ordem física, quer na ordem filosófica, são revelações. Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-los para as verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos cujas idéias atravessam os séculos.

7. - No sentido especial da fé religiosa, a revelação se diz mais particularmente das coisas espirituais que o homem não pode descobrir por meio da inteligência, nem com o auxílio dos sentidos e cujo conhecimento lhe dão Deus ou seus mensageiros, quer por meio da palavra direta, quer pela inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a homens predispostos, designados sob o nome de profetas ou messias, isto é, enviados ou missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada debaixo deste ponto de vista, a revelação implica a passividade absoluta e é aceita sem verificação, sem exame, nem discussão.

8. - Todas as religiões tiveram seus reveladores e estes, embora longe estivessem de conhecer toda a verdade, tinham uma razão de ser providencial, porque eram apropriados ao tempo e ao meio em que viviam, ao caráter particular dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente superiores.

Apesar dos erros das suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos e, por isso mesmo, de semear os germens do progresso, que mais tarde haviam de desenvolver-se, ou se desenvolverão à luz brilhante do Cristianismo.

É, pois, injusto se lhes lance anátema em nome da ortodoxia, porque dia virá em que todas essas crenças tão diversas na forma, mas que repousam realmente sobre um mesmo princípio fundamental - Deus e a imortalidade da alma, se fundirão numa grande e vasta unidade, logo que a razão triunfe dos preconceitos. I

nfelizmente, as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação; o papel de profeta há tentado as ambições secundárias e tem-se visto surgir uma multidão de pretensos reveladores ou messias, que, valendo-se do prestigio deste nome, exploram a credulidade em proveito do seu orgulho, da sua ganância, ou da sua indolência, achando mais cômodo viver à custa dos iludidos. A religião cristã não pôde evitar esses parasitas.

A tal propósito, chamamos particularmente a atenção para o capítulo XXI de O Evangelho segundo o Espiritismo; "Levantar-se-ão falsos Cristos e falsos profetas".

9. - Haverá revelações diretas de Deus aos homens? É uma questão que não ousaríamos resolver, nem afirmativamente, nem negativamente, de maneira absoluta. O fato não é radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova certa. O que não padece dúvida é que os Espíritos mais próximos de Deus pela perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores encarnados, segundo a ordem hierárquica a que pertencem e o grau a que chegaram de saber, esses podem tirar dos seus próprios conhecimentos as instruções que ministram, ou recebê-las de Espíritos mais elevados, mesmo dos mensageiros diretos de Deus, os quais, falando em nome de Deus, têm sido às vezes tomados pelo próprio Deus.

As comunicações deste gênero nada têm de estranho para quem conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela qual se estabelecem as relações entre os encarnados e os desencarnados. As instruções podem ser transmitidas por diversos meios: pela simples inspiração, pela audição da palavra, pela visibilidade dos Espíritos instrutores, nas visões e aparições, quer em sonho, quer em estado de vigília, do que há muitos exemplos na Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos.

É, pois, rigorosamente exato dizer-se que quase todos os reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes. Daí, entretanto, não se deve concluir que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos, intermediários diretos da divindade ou dos seus mensageiros.

10. - Só os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a missão de transmiti-la; mas, sabe-se hoje que nem todos os Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se apresentem sob falsas aparências, o que levou S. João a dizer: «Não acrediteis em todos os Espíritos; vede antes se os Espíritos são de Deus.» (Epíst. 1ª, cap. IV, v. 4.)

Pode, pois, haver revelações sérias e verdadeiras como as há apócrifas e mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é o da eterna verdade. Toda revelação eivada de erros ou sujeita a modificação não pode emanar de Deus. É assim que a lei do Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto que as outras leis moisaicas, fundamentalmente transitórias, muitas vezes em contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu. Com o abrandarem-se os costumes do povo, essas leis por si mesmas caíram em desuso, ao passo que o Decálogo ficou sempre de pé, como farol da Humanidade. O Cristo fez dele a base do seu edifício, abolindo as outras leis. Se estas fossem obra de Deus, seriam conservadas intactas. O Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores que mudaram a face ao mundo e nisso está a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana careceria de tal poder.

11. - Importante revelação se opera na época atual e mostra a possibilidade de nos comunicarmos com os seres do mundo espiritual. Não é novo, sem dúvida, esse conhecimento; mas ficara até aos nossos dias, de certo modo, como letra morta, isto é, sem proveito para a Humanidade A ignorância das leis que regem essas relações o abafara sob a superstição; o homem era incapaz de tirar daí qualquer dedução salutar; estava reservado à nossa época desembaraçá-lo dos acessórios ridículos, compreender-lhe o alcance e fazer surgir a luz destinada a clarear o caminho do futuro.

12. - O Espiritismo, dando-nos a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte, é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra.

13. - Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Participa da primeira, porque foi providencial o seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um desígnio premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes importa conhecer, hoje que estão aptos a compreendê-las. Participa da segunda, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.

14. - Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio subseqüentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas.

15. - Citemos um exemplo. Passa-se no mundo dos Espíritos um fato muito singular, de que seguramente ninguém houvera suspeitado: o de haver Espíritos que se não consideram mortos. Pois bem, os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, não vieram dizer antecipadamente: «Há Espíritos que julgam viver ainda a vida terrestre, que conservam seus gostos, costumes e instintos.» Provocaram a manifestação de Espíritos desta categoria para que os observássemos. Tendo-se visto Espíritos incertos quanto ao seu estado, ou afirmando ainda serem deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações ordinárias, deduziu-se a regra. A multiplicidade de fatos análogos demonstrou que o caso não era excepcional, que constituía uma das fases da vida espírita; pode-se então estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão, reconhecer que tal situação é sobretudo própria de Espíritos pouco adiantados moralmente e peculiar a certos gêneros de morte; que é temporária, podendo, todavia, durar semanas, meses e anos. Foi assim que a teoria nasceu da observação. O mesmo se deu com relação a todos os outros princípios da doutrina.

16. - Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do principio espiritual. Ora, como este último principio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o principio material e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.

17. - Todas as ciências se encadeiam e sucedem numa ordem racional; nascem umas das outras, à proporção que acham ponto de apoio nas idéias e conhecimentos anteriores. A Astronomia, uma das primeiras cultivadas, conservou os erros da infância, até ao momento em que a Física veio revelar a lei das forças dos agentes naturais; a Química, nada podendo sem a Física, teve de acompanhá-la de perto, para depois marcharem ambas de acordo, amparando-se uma à outra. A Anatomia, a Fisiologia, a Zoologia, a Botânica, a Mineralogia, só se tornaram ciências sérias com o auxílio das luzes que lhes trouxeram a Física e a Química. À Geologia nascida ontem, sem a Astronomia, a Física, a Química e todas as outras, teriam faltado elementos de vitalidade; ela só podia vir depois daquelas.

18. - A Ciência moderna abandonou os quatro elementos primitivos dos antigos e, de observação em observação, chegou à concepção de um só elemento gerador de todas as transformações da matéria; mas, a matéria, por si só, é inerte; carecendo de vida, de pensamento, de sentimento, precisa estar unida ao principio espiritual. O Espiritismo não descobriu, nem inventou este princípio; mas, foi o primeiro a demonstrar-lhe, por provas inconcussas, a existência; estudou-o, analisou-o e tornou-lhe evidente a ação. Ao elemento material, juntou ele o elemento espiritual. Elemento material e elemento espiritual, esses os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza. Pela união indissolúvel deles, facilmente se explica uma multidão de fatos até então inexplicáveis. (1)

O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, toca forçosamente na maior parte das ciências; só podia, portanto, vir depois da elaboração delas; nasceu pela força mesma das coisas, pela impossibilidade de tudo se explicar com o auxílio apenas das leis da matéria.

(1) A palavra elemento não é empregada aqui no sentido de corpo simples, elementar, de moléculas primitivas, mas no de parte constitutiva do um todo. Neste sentido, pode dizer-se que o elemento espiritual tem parte ativa na economia do Universo, como se diz que o elemento civil e o elemento militar figuram no cálculo de uma população; que o elemento religioso entra na educação; ou que na Argélia existem o elemento árabe e o elemento europeu.

19. - Acusam-no de parentesco com a magia e a feitiçaria; porém, esquecem que a distante de nós; que a Química é filha da Alquimia, com a qual nenhum homem sensato ousaria hoje ocupar-se. Ninguém nega, entretanto, que na Astrologia e na Alquimia estivesse o gérmen das verdades de que saíram as ciências atuais. Apesar das suas ridículas fórmulas, a Alquimia encaminhou a descoberta dos corpos simples e da lei das afinidades. A Astrologia se apoiava na posição e no movimento dos astros, que ela estudara; mas, na ignorância das verdadeiras leis que regem o mecanismo do Universo, os astros eram, para o vulgo, seres misteriosos, aos quais a superstição atribuía uma influência moral e um sentido revelador. Quando Galileu, Newton e Kepler tornaram conhecidas essas leis, quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou nas profundezas do espaço um olhar que algumas criaturas acharam indiscreto, os planetas apareceram como simples mundos semelhantes ao nosso e todo o castelo d9 maravilhoso desmoronou.

O mesmo se dá com o Espiritismo, relativamente à magia e à feitiçaria, que se apoiavam também na manifestação dos Espíritos, como a Astrologia no movimento dos astros; mas, ignorantes das leis que regem o mundo espiritual, misturavam, com essas relações, práticas e crenças ridículas, com as quais o moderno Espiritismo, fruto da experiência e da observação, acabou. Certamente, a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina.

20. - O simples fato de poder o homem comunicar-se com os seres do mundo espiritual traz conseqüências incalculáveis da mais alta gravidade; é todo um mundo novo que se nos revela e que tem tanto mais importância, quanto a ele hão de voltar todos os homens, sem exceção.

O conhecimento de tal fato não pode deixar de acarretar, generalizando-se, profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos, assim como nas crenças que tão grande influencia exerceu sobre as relações sociais.

É uma revolução completa a operar-se nas idéias, revolução tanto maior, tanto mais poderosa, quanto não se circunscreve a um povo, nem a uma casta, visto que atinge simultaneamente, pelo coração, todas as classes, todas as nacionalidades, todos os cultos. Razão há, pois, para que o Espiritismo seja considerado a terceira das grandes revelações. Vejamos em que essas revelações diferem e qual o laço que as liga entre si.

21. - Moisés, como profeta, revelou aos homens a existência de um Deus único, Soberano Senhor e Orientador de todas as coisas; promulgou a lei do Sinai e lançou as bases da verdadeira fé. Como homem, foi o legislador do povo pelo qual essa primitiva fé, purificando-se, havia de espalhar-se por sobre a Terra.

22. - O Cristo, tomando da antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando o que era transitório, puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não falara, assim como a das penas e recompensas que aguardam o homem, depois da morte. (Vede: Revue Spirite, 1861, páginas 90 e 280.)

23. - A parte mais importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte primária, de pedra angular de toda a sua doutrina é o ponto de vista inteiramente novo sob que considera ele a Divindade. Esta já não é o Deus terrível, ciumento, vingativo, de Moisés; o Deus cruel e implacável, que rega a terra com o sangue humano, que ordena o massacre e o extermínio dos povos, sem excetuar as mulheres, as crianças e os velhos, e que castiga aqueles que poupam as vítimas; já não é o Deus injusto, que pune um povo inteiro pela falta do seu chefe, que se vinga do culpado na pessoa do inocente, que fere os filhos pelas faltas dos pais; mas, um Deus clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia, que perdoa ao pecador arrependido e dá a cada um segundo as suas obras. Já não é o Deus de um único povo privilegiado, O Deus dos exércitos, presidindo aos combates para sustentar a sua própria causa contra o Deus dos outros povos; mas, o Pai comum do gênero humano, que estende a sua proteção por sobre todos os seus filhos e os chama todos a si; já não é o Deus que recompensa e pune só pelos bens da Terra, que faz consistir a glória e a felicidade na escravidão dos povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas, sim, um Deus que diz aos homens: «A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino celestial, lá onde os humildes de coração serão elevados e os orgulhosos serão humilhados.» Já não é o Deus que faz da vingança uma virtude e ordena se retribua olho por olho, dente por dente; mas, o Deus de misericórdia, que diz: «Perdoai as ofensas, se quereis ser perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façais o que não quereis vos façam.» Já não é o Deus mesquinho e meticuloso, que impõe, sob as mais rigorosas penas, o modo como quer ser adorado, que se ofende pela inobservância de uma fórmula; mas, o Deus grande, que vê o pensamento e que se não honra com a forma. Enfim, já não é o Deus que quer ser temido, mas o Deus que quer ser amado.

24. - Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas e o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as religiões é conforme à idéia que elas das de Deus. As religiões que fazem de Deus um ser vingativo e cruel julgam honrá-lo com atos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e mais ou menos meticulosas na forma, por crerem-no mais ou menos contaminado das fraquezas e ninharias humanas.

25. - Toda a doutrina do Cristo se funda no caráter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso, ele fez do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição indeclinável da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre todas as coisas e o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão toda a lei e os profetas; não existe outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio da igualdade dos homens perante Deus e o da fraternidade universal. Mas, fora possível amar o Deus de Moisés? Não; só se podia temê-lo.

A revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, de par com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia-os encarar a vida presente sob outro aspecto e tinha, por isso mesmo, de reagir contra os costumes e as relações sociais. É esse incontestavelmente, por suas conseqüências, o ponto capital da revelação do Cristo, cuja importância não foi compreendida suficientemente e, contrista dizê-lo, é também o ponto de que mais a Humanidade se tem afastado, que mais há desconhecido na interpretação dos seus ensinos.

26. - Entretanto, o Cristo acrescenta: «Muitas das coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer, que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas.» (S. João, caps. XIV, XVI; S. Mat., cap. XVII.)

Se o Cristo não disse tudo quanto poderia dizer, é que julgou conveniente deixar certas verdades na sombra, até que os homens chegassem ao estado de compreendê-las. Como ele próprio o confessou, seu ensino era incompleto, pois anunciava a vinda daquele que o completaria; previra, pois, que suas palavras não seriam bem interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em suma, que desfariam o que ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser restabelecidas: ora, só se restabelece aquilo que foi desfeito.

27. - Por que chama ele Consolador ao novo messias? Este nome, significativo e sem ambigüidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele previa que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica a insuficiência daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca o Cristo fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às quais poucas pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido profético.

28. - Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino de maneira completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam adquirir com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas que teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então. Completar o seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, não no de ajuntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de gérmen, faltando-lhe só a chave para se apreender o sentido das palavras.

29. - Mas, quem toma a liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui as necessárias luzes, senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a Ciência, que a ninguém pede permissão para dar a conhecer as leis da Natureza e que salta sobre os erros e os preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a todos e as Escrituras não são mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar com a ponta do dedo, sem correr o risco de ser fulminado. Quanto às luzes especiais, necessárias, sem contestar as dos teólogos, por mais esclarecidos que fossem os da Idade Média, e, em particular, os Pais da Igreja, eles, contudo, não o eram bastante para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas. Mesmo sem ir tão longe, os teólogos dos nossos dias não lançaram anátema à teoria dos períodos de formação da Terra?

Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da Natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos, de muito boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma idéia preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por muito instruídos que fossem, eles não podiam compreender causas dependentes de leis que lhes eram desconhecidas.

Mas, quem julgará das interpretações diversas e muitas vezes contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e o bom-senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e novas leis se forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas utópicos. Ora, as ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras; todas são indispensáveis à inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda até o Cristianismo. Quanto à teologia, essa não poderá judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem sempre está de acordo consigo mesma.

30. - O Espiritismo, partindo das próprias palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é conseqüência direta da sua doutrina. A idéia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos rodela e povoa o espaço, e com isso precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade à idéia. Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos homens os mistérios do nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe donde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que sofre temporariamente e vê por toda parte a justiça de Deus.

Sabe que a alma progride incessantemente, através de uma série de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição que a aproxima de Deus. Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de origem, são criadas iguais, com idêntica aptidão para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que não há entre elas diferença, senão quanto ao progresso realizado; que todas têm o mesmo destino e alcançarão a mesma meta, mais ou menos rapidamente, pelo trabalho e boa-vontade. Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas do que outras; que Deus a nenhuma criou privilegiada e dispensada do trabalho imposto às outras para progredirem; que não há seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os que se designam pelo nome de demônios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no espaço, como o praticavam na Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão; que os anjos ou Espíritos puros não são seres à parte na criação, mas Espíritos que chegaram à meta, depois de terem percorrido a estrada do progresso; que, por essa forma, não há criações múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres inteligentes, mas que toda a criação deriva da grande lei de unidade que rege o Universo e que todos os seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas próprias obras.

31. - Pelas relações que hoje pode estabelecer com aqueles que deixaram a Terra, possui o homem não só a prova material da existência e da individualidade da alma, como também compreende a solidariedade que liga os vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos dos outros planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos, acompanha-os em suas migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas; sabe a razão por que são felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o mal que fizerem. Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então, a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da verdadeira vida.

32. - Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem sabe que a felicidade e a desdita, na vida espiritual, são inerentes ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as conseqüências diretas e naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou; que essas conseqüências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, por conseguinte, o culpado sofreria eternamente, se persistisse no mal, mas que o sofrimento cessa com o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um o seu aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio, prolongar ou abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus excessos, enquanto não lhes põe termo.

33. - Se a razão repele, como incompatível com a bondade de Deus, a idéia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas, muitas vezes infligidas por uma única falta; a dos suplícios do inferno, que não podem ser minorados nem sequer pelo arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma razão se inclina diante dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo em conta, que nunca fecha a porta ao arrependimento e estende constantemente a mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.

34. - A pluralidade das existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no Evangelho, sem todavia defini-lo como a muitos outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade e a necessidade para o progresso. Com esta lei, o homem explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu em suas existências anteriores (nº 5).

35. - Com a doutrina da criação da alma no instante do nascimento, vem-se a cair no sistema das criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros, nada os liga, os laços de família são puramente carnais; não são de nenhum modo solidários com um passado em que não existiam; com a doutrina do nada após a morte, todas as relações cessam com a vida; os seres humanos não são solidários no futuro. Pela reencarnação, são solidários no passado e no futuro e, como as suas relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base as próprias leis da Natureza; o bem tem um objetivo e o mal conseqüências inevitáveis.

36. - Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade.

37. - Tirai ao homem o Espírito livre e independente, sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem finalidade, nem responsabilidade; sem outro freio além da lei civil e própria a ser explorada como um animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada obsta a que aumente os gozos do presente; se sofre, só tem a perspectiva do desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro, com a de encontrar de novo aqueles a quem amou e com o temor de tornar a ver aqueles a quem ofendeu, todas as suas idéias mudam. O Espiritismo, ainda que só fizesse forrar o homem à dúvida relativamente à vida futura, teria feito mais pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm algumas vezes, mas que o não transformam.

38. - Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contra-senso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas conseqüências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente eqüitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.

Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz idéias inatas; identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer. Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício original.

39. - O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito, suspeitado desde a antigüidade e designado por S. Paulo sob o nome de corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma, depois da destruição do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse invólucro é inseparável da alma, forma um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da transmissão do pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito e a matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.

40. - O estudo das propriedades do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes à Ciência e dá a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos até então, por falta de conhecimento da lei que os rege - fenômenos negados pelo materialismo, por se prenderem à espiritualidade, e qualificados como milagres ou sortilégios por outras crenças. Tais são, entre muitos, os fenômenos da vista dupla, da visão a distância, do sonambulismo natural e artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão do pensamento, da fascinação, das curas instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Demonstrando que esses fenômenos repousam em leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que condições normais se podem reproduzir, o Espiritismo derroca o império do maravilhoso e do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte da maior parte das superstições. Se faz se creia na possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como quiméricas, também impede que se creia em muitas outras, das quais ele demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.

41. - O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina; vêem melhor o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino.

42. - Demais, se se considerar o poder moralizador do Espiritismo, pela finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar quase tangíveis as conseqüências do bem e do mal, pela força moral, a coragem e as consolações que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro, pela idéia de ter cada um perto de si os seres a quem amou, a certeza de os rever, a possibilidade de confabular com eles; enfim, pela certeza de que tudo quanto se fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até à última hora da vida, não fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito, reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. (1)

(1) Muitos pais deploram a morte prematura dos filhos, para cuja educação fizeram grandes sacrifícios, e dizem consigo mesmos que tudo foi em pura perda. À luz do Espiritismo, porém, não lamentam esses sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de que veriam morrer seus filhos, porque sabem que se estes não a aproveitam na vida presente, essa educação servira, primeiro que tudo, para o seu adiantamento espiritual; e, mais, que serão aquisições novas para outra existência e que, quando voltarem a este mundo, terão um patrimônio intelectual que os tornara mais aptos a adquirirem novos conhecimentos.

Tais essas crianças que trazem, ao nascer, idéias inatas que sabem, por assim dizer, sem precisarem aprender.

Se os pais não têm a satisfação imediata de ver os filhos aproveitarem da educação que lhes deram, gozá-la-ão certamente mais tarde, quer como espíritos, quer como homens. Talvez sejam eles de novo os pais desses mesmos filhos, que se apontam como afortunadamente dotados pela natureza e que devem as suas aptidões a uma educação precedente; assim também, se os filhos se desviam para o mal, pela negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde desgostos e pesares que àqueles suscitarão em nova existência. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nº 21; "Mortes prematuras".)

43. - Se a estes resultados adicionarmos a rapidez prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar de tudo quanto fazem por abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda seja providencial, visto como ele triunfa de todas as forças e de toda a má-vontade dos homens. A facilidade com que é aceito por grande número de pessoas, sem constrangimento, apenas pelo poder da idéia, prova que ele corresponde a uma necessidade, qual a de crer o homem em alguma coisa para encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto, veio no momento preciso.

44. - São em grande número os aflitos; não é, pois, de admirar que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que desesperam, porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o Espiritismo se dirige. O doente vê chegar o medico com maior satisfação do que aquele que está bem de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o médico.

Vós que combateis o Espiritismo, se quereis que o abandonemos para vos seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior segurança as feridas da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do nada, com a alternativa das chamas do inferno, ou com a inútil contemplação perpétua.

45. - A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As duas primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter essencial de grande importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou dada como privilégio a pessoa alguma; ninguém, por consequência, pode inculcar-se como seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a mais alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos dos Apóstolos: "Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu espírito sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os mancebos terão visões, e os velhos, sonhos." (Atos, cap. II, vv. 17, 18.) Ela não proveio de nenhum culto especial, a fim de servir um dia, a todos, de ponto de ligação. (1)

(1) O nosso papel pessoal, no grande movimento de idéias que se prepara pelo Espiritismo e que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes descobrir a causa e tirar-lhes as conseqüências. Confrontamos todos os que nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas idéias a quem quer que seja. Publicando-as, usamos de um direito comum e aqueles que as aceitaram o fizeram livremente. Se essas idéias acharam numerosas simpatias, é porque tiveram a vantagem de corresponder às aspirações de avultado número de criaturas, mas disso não colhemos vaidade alguma, dado que a sua origem não nos pertence. O nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação à causa que abraçamos. Em tudo isso, fizemos o que outro qualquer poderia ter feito como nós, razão pela qual nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias, nem, ainda menos, de nos apresentarmos como tal.

46. - As duas primeiras revelações, sendo fruto do ensino pessoal, ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só ponto, em torno do qual a idéia se propagou pouco a pouco; mas, foram precisos muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem inteiramente A terceira tem isto de particular: não estando personificada em um só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco a pouco, como os círculos formados por uma multidão de pedras lançadas na água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do globo.

Essa uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se ela tivesse surgido num só ponto, se fosse obra exclusiva de um homem, houvera formado seitas em torno dela; e talvez decorresse meio século sem que ela atingisse os limites do país onde começara, ao passo que, após dez anos, já estende raízes de um pólo a outro.

47. - Esta circunstância, inaudita na história das doutrinas, lhe dá força excepcional e irresistível poder de ação; de fato, se a perseguirem num ponto, em determinado pais, será materialmente impossível que a persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde lhe embaracem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte donde ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre, se, por um acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo, ela reapareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na Natureza e não se podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem persuadir aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revue Spirite, fev. 1865, pág. 38: «Perpetuidade do Espiritismo».)

48. - Entretanto, disseminados os centros, poderiam ainda permanecer por muito tempo isolados uns dos outros, confinados como estão alguns em países longínquos. Faltava entre eles uma ligação, que os pusesse em comunhão de idéias com seus irmãos em crença, informando-os do que se fazia algures. Esse traço de união, que na antigüidade teria faltado ao Espiritismo, hoje existe nas publicações que vão a toda parte, condensando, sob uma forma única, concisa e metódica, o ensino dado universalmente sob formas múltiplas e nas diversas línguas. (1)

(1) Nota da Editora: Assim compreendendo, a Federação Espírita Brasileira passou a publicar obras espíritas na língua internacional - o Esperanto.

49. - As duas primeiras revelações só podiam resultar de um ensino direto; como os homens não estivessem ainda bastante adiantados a fim de concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que ser impostas pela fé, sob a autoridade da palavra do Mestre.

Contudo, notam-se entre as duas bem sensível diferença, devida ao progresso dos costumes e das idéias, se bem que feitas ao mesmo povo e no mesmo meio, mas com dezoito séculos de intervalo. A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela força. A de Jesus é essencialmente conselheira; é livremente aceita e só se impõe pela persuasão; foi controvertida desde o tempo do seu fundador, que não desdenhava de discutir com os seus adversários.

50. - A terceira revelação, vinda numa época de emancipação e madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas, mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa - tinha ela que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da pesquisa e do livre exame. Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é mister para guiá-lo no caminho da verdade, mas abstêm-se de revelar o que o homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe-lhe a ele aproveitá-los e pô-los em obra (n.º 15).

51 - Tendo sido os elementos da revelação espírita ministrados simultaneamente em muitos pontos, a homens de todas as condições sociais e de diversos graus de instrução, é claro que as observações não podiam ser feitas em toda parte com o mesmo resultado; que as conseqüências a tirar, a dedução das leis que regem esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão sobre que haviam de firmar-se as idéias não podiam sair senão do conjunto e da correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito dentro de um círculo restrito, não vendo as mais das vezes senão uma ordem particular de fatos, não raro contraditórios na aparência, geralmente provindo de uma mesma categoria de Espíritos e, ao demais, embaraçados por influências locais e pelo espírito de partido, se achava na impossibilidade material de abranger o conjunto e, por isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um princípio comum. Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus conhecimentos e crenças anteriores, ou da opinião especial dos Espíritos que se manifestassem, bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas, quantos fossem os centros, todos incompletos por falta de elementos de comparação e exame. Numa palavra, cada qual se teria imobilizado na sua revelação parcial, julgando possuir toda a verdade, ignorando que em cem outros lugares se obtinha mais ou melhor.

52. - Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários.

A revelação fez-se assim parcialmente em diversos lugares e por uma multidão de intermediários e é dessa maneira que prossegue ainda, pois que nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a Doutrina Espírita.

Era, pois, necessário grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permitia conceder-lhes, distinguir as idéias sistemáticas individuais ou isoladas das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das idéias práticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo.

Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, independente de qualquer. idéia preconcebida, de todo prejuízo de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem desígnio premeditado. (1)

(1) O Livro dos Espíritos, a primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de um ponto de vista filosófico, pela dedução das conseqüências morais dos fatos; que considerou todas as partes da doutrina, tocando nas questões mais importantes que ela suscita, foi, desde o seu aparecimento. o ponto para onde convergiram espontaneamente os trabalhos individuais. É notório que da publicação desse livro data a era do Espiritismo filosófico, até então conservado no domínio das experiências curiosas. Se esse livro conquistou as simpatias da maioria é que exprimia os sentimentos dela, correspondia às suas aspirações e encerrava também a confirmação e a explicação racional do que cada um obtinha em particular. Se estivesse em desacordo com o ensino geral dos Espíritos, teria caído no descrédito e no esquecimento. Ora, qual foi aquele ponto de convergência? Decerto não foi o homem, que nada vale por si mesmo, que morre e desaparece; mas, a idéia, que não fenece quando emana de uma fonte superior ao homem.

Essa espontânea concentração de forças dispersas deu lugar a uma amplíssima correspondência, monumento único no mundo, quadro vivo da verdadeira história do Espiritismo moderno, onde se refletem ao mesmo tempo os trabalhos parciais, os sentimentos múltiplos que a doutrina fez nascer, os resultados morais, as dedicações, os desfalecimentos; arquivos preciosos para a posteridade, que poderá julgar os homens e as coisas através de documentos autênticos. Em presença desses testemunhos inexpugnáveis, a que se reduzirão, com o tempo, todas as falsas alegações da inveja e do ciúme?...

53. - De todas essas coisas, originou-se dupla corrente de idéias: umas, dirigindo-se das extremidades para o centro; as outras encaminhando-se do centro para a circunferência. Desse modo, a doutrina caminhou rapidamente para a unidade, mau grado à diversidade das fontes donde promanou; os sistemas divergentes ruíram pouco a pouco, devido ao isolamento em que ficaram, diante do ascendente da opinião da maioria, em a qual não encontraram repercussão simpática. Desde então, uma comunhão de idéias se estabeleceu entre os diversos centros parciais. Falando a mesma linguagem espiritual, eles se entendem e estimam, de um extremo a outro do mundo.

Sentiram-se assim mais fortes os espíritas, lutaram com mais coragem, caminharam com passo mais firme, desde que não mais se viram insulados, desde que perceberam um ponto de apoio, um laço a prendê-los à grande família. Não mais lhes pareceram singulares, anormais, nem contraditórios os fenômenos que presenciavam, desde que puderam conjugá-los a leis gerais e descobrir um fim grandioso e humanitário em todo o conjunto. (1)

(1) Significativo testemunho, tão notável quão tocante, dessa comunhão de idéias que se estabeleceu entre os espíritas, pela conformidade de suas crenças, são os pedidos de preces que nos chegam dos mais distantes países, desde o Peru até as extremidades da Ásia, feitos por pessoas de religiões e nacionalidades diversas e as quais nunca vimos. Não é isso um prelúdio da grande unificação que se prepara? Não é a prova de que por toda parte o Espiritismo lança raízes fortes?

Digno de nota é que, de todos os grupos que se têm formado com a intenção premeditada de abrir cisão, proclamando princípios divergentes, do mesmo modo que de todos quantos, apoiando-se em razões de amor-próprio ou outras quaisquer, para não parecer que se submetem à lei comum, se consideraram fortes bastante para caminhar sozinhos, possuidores de luzes suficientes para prescindirem de conselhos, nenhum chegou a construir uma idéia que fosse preponderante e viável. Todos se extinguiram ou vegetaram na sombra. Nem de outro modo poderia ser, dado que, para se exalçarem, em vez de se esforçarem por proporcionar maior soma de satisfações, rejeitavam princípios da doutrina, precisamente o que de mais atraente há nela, o que de mais consolador ela contém e de mais racional. Se houvessem compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam embalado com ilusões quiméricas. Ao contrário, tomando como se fosse o Universo o pequeno circulo que constituíam, não viram nos adeptos mais do que uma camarilha facilmente derrubável por outra camarilha. Era equivocar-se de modo singular, no tocante aos caracteres essenciais da doutrina e semelhante erro só decepções podia acarretar. Em lugar de romperem a unidade, quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida. (Veja-se: Revue Spirite, abril de 1866, págs. 106 e 111: "O Espiritismo sem os Espíritos: o Espiritismo independente".)

Mas, como se há de saber se um princípio é ensinado por toda parte, ou se apenas exprime uma opinião pessoal? Não estando os grupos independentes em condições de saber o que se diz alhures, necessário se fazia que um centro reunisse todas as instruções, para proceder a uma espécie de apuro das vozes e transmitir a todos a opinião da maioria. (1)

(1) Esse o objeto das nossas publicações, que se podem considerar o resultado de um trabalho de apuro. Nelas, todas as opiniões são discutidas, mas as questões somente são apresentadas em forma de princípios, depois de haverem recebido a consagração de todas as comprovações, as quais, só elas, lhes podem imprimir força de lei e permitir afirmações. Eis por que não preconizamos levianamente nenhuma teoria e é nisso exatamente que a doutrina, decorrendo do ensino geral, não representa produto de um sistema preconcebido. É também donde tira a sua força e o que lhe garante o futuro.

54. - Nenhuma ciência existe que haja saído prontinha do cérebro de um homem. Todas, sem exceção de nenhuma, são fruto de observações sucessivas, apoiadas em observações precedentes, como em um ponto conhecido, para chegar ao desconhecido. Foi assim que os Espíritos procederam, com relação ao Espiritismo. Daí o ser gradativo o ensino que ministram. Eles não enfrentam as questões, senão à medida que os princípios sobre que hajam de apoiar-se estejam suficientemente elaborados e amadurecida bastante a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que, de todas as vezes que os centros particulares têm querido tratar de questões prematuras, não obtiveram mais do que respostas contraditórias, nada concludentes. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno, o ensino se generaliza e se unifica na quase universalidade dos centros.

Há, todavia, capital diferença entre a marcha do Espiritismo e a das ciências; a de que estas não atingiram o ponto que alcançaram, senão após longos intervalos, ao passo que alguns anos bastaram ao Espiritismo, quando não a galgar o ponto culminante, pelo menos a recolher uma soma de observações bem grande para formar uma doutrina. Decorre esse fato de ser inumerável a multidão de Espíritos que, por vontade de Deus, se manifestaram simultaneamente, trazendo cada um o contingente de seus conhecimentos. Resultou dai que todas as partes da doutrina, em vez de serem elaboradas sucessivamente durante longos anos, o foram quase ao mesmo tempo, em alguns anos apenas, e que bastou reuni-las para que estruturassem um todo.

Quis Deus fosse assim, primeiro, para que o edifício mais rapidamente chegasse ao ápice; em seguida, para que se pudesse, por meio da comparação, conseguir uma verificação, a bem dizer imediata e permanente, da universalidade do ensino, nenhuma de suas partes tendo valor, nem autoridade, a não ser pela sua conexão com o conjunto, devendo todos harmonizar-se, colocado cada um no devido lugar e vindo cada um na hora oportuna.

Não confiando a um único Espírito o encargo de promulgar a doutrina, quis Deus, também, que, assim o mais pequenino, como o maior, tanto entre os Espíritos, quanto entre os homens, trouxesse sua pedra para o edifício, a fim de estabelecer entre eles um laço de solidariedade cooperativa, que faltou a todas as doutrinas decorrentes de um tronco único.

Por outro lado, dispondo todo Espírito, como todo homem, apenas de limitada soma de conhecimentos, não estavam eles aptos, individualmente, a tratar ex-professo das inúmeras questões que o Espiritismo envolve. Essa ainda uma razão por que, em cumprimento dos desígnios do Criador, não podia a doutrina ser obra nem de um só Espírito, nem de um só médium. Tinha que emergir da coletividade dos trabalhos, comprovados uns pelos outros. (1)

(1) Veja-se, em O Evangelho segundo o Espiritismo, "Introdução", item II, e Revue Spirite, de abril de 1864, pág. 99: "Autoridade da Doutrina Espírita; comprovação universal do ensino dos Espíritos"

55. - Um último caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições mesmas em que ela se produz, é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da Natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às leis de Deus, autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens edificaram sobre as falsas idéias que formaram de Deus.

O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará. (1)

(1) Diante de declarações tão nítidas e tão categóricas quais as que se contêm neste capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações; temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos, para que nenhuma duvida persista a tal respeito. Elas, ao demais, assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero trabalhador.

56. - Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, uma vez que não difere da do Cristo? Precisa o homem de uma revelação? Não pode achar em si próprio tudo o que lhe é necessário para conduzir-se? Do ponto de vista moral, é fora de dúvida que Deus outorgou ao homem um guia, dando-lhe a consciência, que lhe diz: «Não faças a outrem o que não quererias te fizessem.» A moral natural está positivamente inscrita no coração dos homens; porém, sabem todos lê-la nesse livro? Nunca lhe desprezaram os sábios preceitos? Que fizeram da moral do Cristo? Como a praticam mesmo aqueles que a ensinam? Reprovareis que um pai repita a seus filhos dez vezes, cem vezes as mesmas instruções, desde que eles não as sigam? Por que haveria Deus de fazer menos do que um pai de família? Por que não enviaria, de tempos a tempos, mensageiros especiais aos homens, para lhes lembrar os deveres e reconduzi-los ao bom caminho, quando deste se afastam; para abrir os olhos da inteligência aos que os trazem fechados, assim como os homens mais adiantados enviam missionários aos selvagens e aos bárbaros?

A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor. Mas, então, de que serve o ensino deles, se apenas repisam o que já sabemos? Outro tanto se poderia dizer da moral do Cristo, que já Sócrates e Platão ensinaram quinhentos anos antes e em termos quase idênticos. O mesmo se poderia dizer também das de todos os moralistas, que nada mais fazem do que repetir a mesma coisa em todos os tons e sob todas as formas. Pois bem! os Espíritos vêm, muito simplesmente, aumentar o número dos moralistas, com a diferença de que, manifestando-se por toda parte, tanto se fazem ouvir na choupana, como no palácio, assim pelos ignorantes, como pelos instruídos.

O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu passado e de seu futuro, dando por sanção à doutrina cristã as próprias leis da Natureza. Com o auxílio das novas luzes que o Espiritismo e os Espíritos espargem, o homem se reconhece solidário com todos os seres e compreende essa solidariedade; a caridade e a fraternidade se tornam uma necessidade social; ele faz por convicção o que fazia unicamente por dever, e o faz melhor.

Somente quando praticarem a moral do Cristo, poderão os homens dizer que não mais precisam de moralistas encarnados ou desencarnados. Mas, também, Deus, então, já não lhos enviará.

57. - Uma das questões mais importantes, entre as propostas no começo deste capítulo, é a seguinte Que autoridade tem a revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis?

A objeção seria ponderosa, se essa revelação consistisse apenas no ensino dos Espíritos, se deles exclusivamente a devêssemos receber e houvéssemos de aceitá-la de olhos fechados. Perde, porém, todo valor, desde que o homem concorra para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações, nas suas inumeráveis modalidades, são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a lei, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido usual do termo. Ele lhes submete os dizeres ao cadinho da lógica e do bom-senso: desta maneira se beneficia dos conhecimentos especiais de que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar o uso da própria razão.

Sendo os Espíritos unicamente as almas dos homens, comunicando-nos com eles não saímos fora da Humanidade, circunstância capital a considerar-se. Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade, vieram do mundo dos Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Dado que os Espíritos podem comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruir-nos, depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas, são invisíveis, em vez de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem ser menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra deles, como homens, tinha autoridade, não na pode ter menos, somente por estarem no mundo dos Espíritos.

58. - Mas, nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no igualmente os de todas as categorias e preciso era que assim acontecesse, para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual, apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e para onde iremos. Esse o objeto essencial das manifestações. Todos os Espíritos, pois, qualquer que seja o grau de elevação em que se encontrem, alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos digam e tirar, do ensino que nos dêem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer que sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles nunca saberíamos.

59. - Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e de lenta propagação. Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de cepticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista? Mesmo que fosse verdade absoluta o que dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem as idéias. Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse; quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim de que aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte, constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencer-se a si próprio.

60. - Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos Espíritos todo o saber e toda a sabedoria e supor-se que baste a quem quer que seja dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as coisas. Saídos da Humanidade, eles constituem uma de suas faces. Assim como na Terra, no plano invisível também os há superiores e vulgares; muitos, pois, que, científica e filosoficamente, sabem menos do que certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos. Do mesmo modo que os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem ele se dirigiria neste mundo; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais esclarecidos do que ele. Disto é que importa se convençam todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem idéia completamente falsa da natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo.

61. - Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem, dessa revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não nos dizem tudo o que sabem?

Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstém de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em segundo lugar, há coisas cuja revelação não lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta. Afora isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o círculo das percepções: eles vêem o que não viam na Terra; libertos dos entraves da matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a perspicácia de que gozam abrange mais vasto horizonte; compreendem seus erros, retificam suas idéias e se desembaraçam dos prejuízos humanos.

É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação à humanidade corpórea e dai vem a possibilidade de serem seus conselhos, segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e desinteressados do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes permite, ao demais, iniciar-nos nas coisas, que ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos aprender no meio em que estamos. Até ao presente, o homem apenas formulara hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito se fracionaram em tão numerosos e divergentes sistemas, desde o nadismo até as concepções fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer em que se tornaram e só eles o podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente, serviram para dar-nos a conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem suspeitávamos e só esse conhecimento seria de capital importância, dado mesmo que nada mais pudessem os Espíritos ensinar-nos.

Se fordes a um país que ainda não conheçais, recusareis as informações que vos dê o mais humilde campônio que encontrardes? Deixareis de interrogá-lo sobre o estado dos caminhos, simplesmente por ser ele um camponês? Certamente não esperareis obter, por seu intermédio, esclarecimentos de grande alcance, mas, de acordo com o que ele é na sua esfera, poderá, sobre alguns pontos, informar-vos melhor do que um sábio, que não conheça o pais. Tirareis das suas indicações deduções que ele próprio não tiraria, sem que por isso deixe de ser um instrumento útil às vossas observações, embora apenas servisse para vos informar acerca dos costumes dos camponeses. Outro tanto se dá no que concerne às nossas relações com os Espíritos, entre os quais o menos qualificado pode servir para nos ensinar alguma coisa.

62. - Uma comparação vulgar tornará ainda melhor compreensível a situação.

Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes. Leva homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma noticia chega sobre a sua sorte. Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o luto penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a equipagem inteira, sem faltar um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde todos passam a viver ditosos, sob um céu clemente. Ninguém, todavia, sabe disso. Ora, um belo dia, outro navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e salvos os náufragos. A feliz nova se espalha com a rapidez do relâmpago. Exclamam todos: «Não estão perdidos os nossos amigos!» E rendem graças a Deus. Não podem ver-se uns aos outros, mas correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e, assim, a alegria substitui a tristeza.

Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes e depois da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz a boa-nova da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O desanimo se desfaz diante da esperança.

Mas, outros resultados fecundam essa revelação. Achando madura a Humanidade para penetrar o mistério do seu destino e contemplar, a sangue-frio, novas maravilhas, permitiu Deus fosse erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao mundo visível. Nada têm de extra-humanas as manifestações; é a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer-lhe:

«Nós existimos, logo o nada não existe; eis o que somos e o que sereis; o futuro vos pertence, como a nós. Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o caminho e traçar-vos o roteiro; andais ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A vida terrena era, para vós, tudo, porque nada víeis além dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida espiritual: a vida terrestre nada é. A vossa visão se detinha no túmulo, nós vos desvendamos, para lá deste, um esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora, no sofrimento, vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia para o futuro. Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade; a fraternidade, que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da Natureza. Sob o domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é o vazio, o egoísmo reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: Cada um por si. Com a certeza do porvir, os espaços infinitos se povoam ao infinito, em parte alguma há o vazio e a solidão; a solidariedade liga todos os seres, aquém e além da tumba. É o reino da caridade, sob a divisa: Um por todos e todos por um. Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que vos são caros; agora, dir-lhes-eis: Até breve!»

Tais, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de ser. Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm resolver os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos os meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura dizem respeito os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará na Terra, pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente operar no seu caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte, nos hábitos e nas relações sociais. Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e da incredulidade, elas preparam o do bem, que é o reino de Deus, anunciado pelo Cristo. (1)

(1) A anteposição do artigo à palavra Cristo (do grego Cristos, ungido), empregada em sentido absoluto, é mais correta, atento que essa palavra não é o nome do Messias de Nazaré, mas uma qualidade tomada substantivamente. Dir-se-á, pois: Jesus era Cristo; era o Cristo; era o Cristo anunciado; a morte do Cristo e não de Cristo, ao passo que se diz: a morte de Jesus e não do Jesus. Em Jesus-Cristo, as duas palavras reunidas formam um só nome próprio. É pela mesma razão que se diz: o Buda; Gautama conquistou a dignidade de Buda por suas virtudes e austeridades. Diz-se: a vida do Buda, do mesmo modo que: o exército do Faraó e não de Faraó; Henrique IV era rei; o titulo de rei; a morte do rei e não de rei.

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